A PRIMEIRA AVENTURA
Algumas horas de estrada e
minha animação já estava indo embora. Eu via mato todo dia no sítio, e essa
viagem só tinha mato dos dois lados. O pacote de biscoito que minha vó fez já
tava no fim e eu queria fazer xixi.
— Falta muito?
— Xiii, falta sim, mas vamos
parar logo. Tem um lugarzinho ali na estrada que nós vamos encostar e descansar.
Ah! E você vai jantar hambúrguer.
— Hum?
— É um sanduíche que eu
nunca comprei procê, mas já que estamos numa aventura, a gente vai comer.
— E não vamos dormir onde?
— Num hotel.
— O que é isso?
— Ah! Olha as luzes
piscando ali na frente. É o hotel! Vamos lá!
Ela passou pelo portão
com o carro e abriu a carteira. Entregou uns papeis e dinheiro. Ele deu uma
chave e ela foi guardar o carro.
— Vamos, menino, pegue
essa bolsinha com umas roupas e vamos entrar! – ela disse animada. – Quero
tomar um banho, comer umas besteiras e dormir.
— Tá bom.
A vó abriu a porta, e
dentro parecia uma casinha, só que menor. Tinha uma geladeira pequenininha,
duas camas, uma mesinha com dois banquinhos, uma televisão em cima de uma
cômoda e um banheiro.
— Vou ligar a televisão
pra você e vou tomar um banho. Depois é sua vez, e enquanto você toma banho vou
pedir nosso hambúrguer com batata frita.
Quando saí do banho lá
estava uma bandeja com um lanche enorme, um prato cheio de batatas e uma lata
de refrigerante. A vó nunca deixava eu tomar refrigerante.
— Tá gostoso?
— O refrigerante e as
batatas sim, mas esse hambúrguer... não sei. Acho que eu preferia um prato de
feijão com uma coxa de frango.
— Ah, menino! É nossa
primeira aventura, e provavelmente minha última... Vamos nos divertir!
— Posso tomar sorvete?
— Amanhã. Você vai
terminar isso aí, escovar os dentes e deitar pra dormir. Vou deixar você ver
televisão até pegar no sono.
No dia seguinte minha vó
me chamou pro café, e depois de comer e tomar outro banho, fomos embora. Entrei
naquele carro quente e seguimos pela estrada de novo.
— Antes do almoço nós
vamos passar por um lugar bem legal. Aproveita e pega essa mochila aí do lado,
essa colorida aí, você vai precisar dela.
— Pra quê, vó?
— Deixa de ser curioso.
Logo você vai saber.
Mato, placa, vacas,
cavalos, mato, mais placa, mais vaca... nada de diferente de ontem. Até que o
carro foi parando e minha vó foi entrando numa ruazinha esquisita e gritou:
— Chegamos! Pega a
mochila e vamos!
Saí do carro e vi a coisa
mais linda que já tinha visto. Uma montanha gigante com uma água que caía com
força num rio embaixo.
— Uma cachoeira linda,
não é mesmo Betinho?
— Cachoeira? Esse é o
nome disso?
— Isso mesmo. Agora tire
a roupa e vá nadar. Só não pode ir longe. Fique nadando aqui pertinho. A água é
gelada, mas é boa. Vá lá. Vou descansar um pouco as pernas.
Enquanto eu mergulhava e
brincava, minha vó ficou sentada numa pedra com os pés dentro da água e olhando
a cachoeira. O que será que ela pensava? Parecia triste. Acho que tava pensando
na minha mãe.
— Pronto. Vamos? Vamos
almoçar e continuar a viagem. Amanhã a gente já deve estar chegando na casa do
Seu Roberto, seu pai.
Saí da água, abri a
mochila e tirei uma toalha e uma roupa seca. A vó tinha preparado tudo
direitinho pra viagem mesmo.
Paramos num restaurante e
almoçamos comida dessa vez, nada de lanche, mas ela me deixou tomar
refrigerante e sorvete de chocolate.
Depois quando voltamos
pra estrada, percebi que a paisagem já estava ficando diferente. Havia mais
carros, mais luzes, mais casas... minha barriga começou a ficar gelada. Será
que meu pai ia gostar de mim?
A noite, mais uma vez
paramos num hotel. Esse tinha uma banheira do lado de fora, mas a vó disse que
chamava piscina, e que eu poderia ir de manhã rapidinho antes de voltar pra
estrada.
Nós comemos uns biscoitos
que ela tinha trazido e também um pão que ela fez. Ela pediu chá e uma moça
trouxe num bule bonito.
Enquanto minha vó tomava
seu chá e eu esperava ele esfriar, fiquei olhando pra ela... Era bonita. Tinha
olhos grandes e verdes. Seus cabelos eram brancos e estavam presos com uns
grampos dos lados. Suas mãos eram pequenas e tinham manchas escuras, as unhas
eram curtas e seus dedos bem fininhos. A pele era clara, mas suas bochechas bem
rosadas. Assim como nas fotos da minha mãe, a vó sempre sorria, mas de vez em
quando ela ficava assim, quieta olhando pro nada, igual ela estava fazendo
agora.
— Vó, a senhora é muito
bonita. Principalmente quando está rindo.
— Oh, menino galanteador!
Obrigada! Não escuto isso há... eita... nem lembro... Obrigada! Você também é
muito bonito! Parece muito com sua mãe. Lindo!
— Vou dormir. Quero
acordar cedo pra nadar na tal piscina.
— Boa noite, menino. –
ela disse e me deu um beijo na testa.
Dormi tão rápido que nem
vi quando ela foi se deitar.
De manhã ela me acordou e
eu fui pra tal piscina. Parecia mais gelada que a cachoeira. Eu estava sozinho
e fiquei brincando até minha vó me chamar pro café. Tomei um banho, comi e
entrei no carro. Esse era o dia de saber tudo o que eu nem imaginava descobrir
um dia.
Logo comecei a ver tudo muito diferente, e
minha vó ia me dizendo tudo: “Aquilo é um prédio”, “Aquilo é um shopping, um
lugar cheio de lojas dentro”...
— Como a senhora sabe de
tudo isso, vó?
— Ah, menino, sua mãe me
fazia viajar muito. Ela sempre queria passear pra tudo que é canto. Depois que
ela se foi e eu fiquei com você neném, preferi ficar no nosso cantinho. E agora
aqui estamos. Fazendo as mesmas coisas que eu fazia com sua mãe.
Estiquei meu braço e
passei a mão no ombro dela. A vó deu um sorriso. Ela estava feliz.
— Estamos chegando. Mais
um pouco e já estaremos lá. Você quer parar pra comer alguma coisa antes?
— Não. Quero ir logo.
Algum tempo depois minha
vó parou em frente um portão preto. Ela saiu do carro e apertou um botão. Uma
voz que saiu do lado do botão perguntou quem era. Logo depois o portão abriu e
minha vó tirou eu de dentro do carro, me deu a mão e entramos na casa.
O moço que foi na nossa
casa apareceu e cumprimentou minha vó, deu a mão pra mim e disse para a gente
ir com ele.
— Podem entrar, Seu
Roberto aguarda vocês ansiosamente.
Minha vó deu um longo
suspiro, apertou minha mão e olhou pra mim como se dissesse “É agora!”.
Entramos no quarto e um
homem careca estava deitado numa cama. Com o barulho da porta se abrindo, ele
virou e olhou pra mim. Vi seus olhos encherem de água. Ele pediu que eu
chegasse mais perto. Ele pegou minha mão e chorou pedindo desculpas. Comecei a
sentir medo dele.
— Seu Roberto, esse é
Betinho, o filho de Ana, que era minha filha.
— Olá, Senhora Jacira. Eu
sinto muito tudo isso... Não sei como reparar tudo o que causei pra senhora,
para a Ana e para este menino. – ele não parava de chorar. Soluçava a cada
palavra.
— Se acalme, homem.
Estamos aqui. O que passou, passou, mas eu queria muito saber o que passou, se
o senhor não se incomodar em me dizer. Não precisa ser agora, mas eu queria
muito saber por que minha filha nunca falou nada do senhor, e por que o senhor
nunca foi procurar por ela e por Betinho.
— Vou contar sim, mas
antes me deixe abraçar meu filho?!
— Dona Jacira, preparei
um quarto para você e seu neto poderem ficar aqui na casa por uns dias. Podem
ficar o tempo que desejarem. Deixe o menino aqui um pouco e venha comigo para
eu mostrar onde é.
Minha vó saiu junto com o
tal Jorge e eu fiquei ali com o homem que era meu pai.
— Betinho, eu sinto
muito. Fui um homem muito burro e ambicioso, nunca entendi o que a vida poderia
me oferecer de bom; mas nunca esqueci sua mãe. Eu sabia que você existia, mas
preferi fugir. Tive medo.
— Medo de mim?
— Sim, de você, mas de um
monte de outras coisas também. Precisei fazer uma viagem ruim pra descobrir o
que a vida tem de melhor. Daqui uns dias farei uma viagem sem volta, talvez
encontrar sua mãe, mas quero deixar você e sua vó bem.
— Você vai morrer?
— Vou. Não tenho motivos
pra mentir pra você.
— Eu estava com medo de
te conhecer. Acho que sei por que você também teve medo de mim. Quanto mais
perto a gente ficava daqui, mais medo eu sentia. E agora que cheguei, não sinto
nada. Nada de ruim, quero dizer. Fazer uma coisa que a gente não sabe como é,
ou conhecer uma pessoa que a gente nunca viu, dá medo, né?
— Isso. Mas você perdoa
esse seu pai burro?
Passei a mão na sua
cabeça e dei um beijo em sua testa, do mesmo jeito que mina vó fazia comigo.
Ele chorou mais um pouco
e me abraçou.
Alguns dias depois meu
pai fez sua viagem. Foi encontrar minha mãe. Ele foi enterrado num cemitério
muito maior que vários sítios juntos. Conheci vários amigos dele, mas ninguém
que fosse da família. Me pareceu um pouco sozinho.
Ficamos mais uns dias
naquela casa. Minha vó disse que precisava resolver umas “pendengas” e logo
voltaríamos.
Mas a volta foi
diferente.
Seu Jorge convenceu minha
vó a irmos de avião. Falou pra deixar o carro lá e que ela comprasse outro pro
sítio. Eu estava curioso com avião, e falei pra minha vó que queria fazer mais
uma aventura.
Ela suspirou e aceitou.
No avião a vó – que era
tão corajosa – agarrou minha mão com força e rezava baixinho o tempo todo me
fazendo rir sem parar.
Foi uma aventura e tanto!
O avião era grandão! A gente subiu em cima das nuvens. Eu vi as casinhas
minúsculas lá embaixo.
Pela primeira vez eu
entrei num táxi e ele levou a gente pro sítio. Foram muitas primeiras vezes
nesses últimos dias.
Voltar pro sítio e ver a
Rosinha de novo foi muito bom.
Depois de colocar tudo
pra dentro da casa, minha vó sentou no sofá, olhou pra mim e disse:
— Saudade de fazer um
café. E você, tava com saudade de quê?
— De nada. De tudo. Não
sei. Obrigado vó, eu te amo muito! Gostei da nossa viagem. Mas a gente podia
fazer umas aventuras assim de vez em quando, né? Que nem você fazia com a minha
mãe.
— Hum, mas não de avião,
né? A gente pode ir de ônibus. Tá bom assim?
— Tá bom, vó!
Essa
foi a melhor primeira aventura.
Aaaiiin Lelê que lindo, me emocionei aqui...
ResponderExcluir"...Precisei fazer uma viagem ruim pra descobrir o que a vida tem de melhor..."
Ameeeei simplesmente!!
Bjs e parabéns!!
As vezes, a vida precisa ser um "cadim" dura, para que possamos dar valor ao que temos, e também às pessoas que vivem conosco!
ResponderExcluirValeu e muito ter esperado para saber o final desta primeira aventura, que não só mostrou o amor entre a avó e seu neto,mas também a vida, em suas durezas, sonhos e simplicidade!
Beijo
Oi, Lelê!!
ResponderExcluirQue conto mais lindo!! Amei essa estória maravilhosa!! Sem dúvida viajar e conhecer outros lugares e sempre uma aventura fantástica!!
Beijoss
Lê!
ResponderExcluirEstava bem curiosa para ler essa segunda parte e saber o que tinha acontecido, claro que gostei, mas queria saber porque o pai foi 'burro' e não procurou o filho, apenas à beira da morte...
“A melhor mensagem de Natal é aquela que sai em silêncio de nossos corações e aquece com ternura os corações daqueles que nos acompanham em nossa caminhada pela vida.” (Desconhecido)
cheirinhos
Rudy
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