PÉROLA
Pérola. Era assim que o homem me chamava. Eu não me lembrava do
meu passado.
“Amnésia”, ele dizia.
Meses se passaram e nenhuma lembrança. Não tinha coragem de
questioná-lo, mas sempre quis perguntar: “Você é minha família?”. Não queria
parecer ingrata, afinal quem faria tudo isso por uma estranha?
Morávamos em uma casa isolada do restante da ilha, um rio nos
separava dos outros e uma pequena ponte era a única coisa que nos ligava com a
civilização. Eu não tinha interesse em me misturar e tampouco ele. Suas únicas
excursões para a cidade eram para comprar mantimentos e entregar capítulos do
livro que estava escrevendo.
Todas as noites sentávamos na varanda e olhávamos o mar e as
estrelas. E todas as noites ele contava como havia me encontrado na praia, em
uma manhã com uma estranha neblina, no aniversário de morte de sua esposa.
Havia um felicidade em seus olhos, exceto quando falava dela.
Numa noite, uma lágrima escorreu. Ele tentou esconder, mas foi
impossível, pois lembro dela ter brilhado com a luz da lua cheia que pairava no
céu sem estrelas. Naquela noite não consegui dormir e nem ele. Fui até seu quarto
e perguntei se poderia ficar por um instante com ele. “Posso dormir aqui
hoje?”.
Depois disso comecei a preparar o café todas as manhãs e a cama
a noite. A única coisa que prometi foi estar sempre feliz ao beijá-lo, desde
que ele prometesse nunca me deixar triste. E assim vivemos por meses.
O banhei e o ajudei a se vestir para o lançamento do seu livro.
Os olhos da cidade brilharam para ele e me orgulhei por tê-los fascinado. “Diga
para todos os garotos que você é meu homem”, eu disse antes dele partir.
Naquela noite, enquanto olhavamos o céu, ele se ajoelhou ao meu
lado. Uma caixinha de madeira repousava em sua mão. Dentro dela, um anel com
uma pérola, que em seguida ele colocou em meu dedo.
Foi então que um vento começou a balançar meu cachos loiros. O
mar se revoltou e pude ouvir uma canção que vinha dele. Comecei a chorar
copiosamente. Ele tentou me consolar, mas o afastei. Um turbilhão de memórias
me derrubou na areia. As estrelas pareciam explodir no céu e eu me tornei má.
Foi quando tive uma visão de estar com ele em um barco durante
uma tempestade. O barco balançava. Eu pedia ajuda. Uma onda me derrubou. Pude
vê-lo me olhar enquanto eu afundava. Ele não me salvou.
O mar era escuro e frio e então senti um abraço quente e
carinhoso. Uma mulher me 0acalentou enquanto minhas lágrimas deixavam o mar
mais salgado. Quando acordei ela me entregou uma pérola e saí do mar. Só havia
uma casa naquela praia. Dei, desajeitada, alguns passos e o ar invadiu meus
pulmões. A dor foi insuportável e cai. A pérola rolou de minhas mãos e parou ao
meu lado. Foi então que vi um homem correndo em minha direção e desmaiei.
Agora estávamos naquela mesma praia com outra neblina nos
cercando. Ele viu em meus olhos que eu não era mais a mesma. Ele via a maldade
e o pecado em meus olhos. E correu para a casa.
Mas minha canção foi mais
forte. Ele parou e calmamente andou de volta para mim. Havia lágrimas em seus
olhos. Ele sabia o que tinha feito. E sem controle nenhum de seu corpo, o homem
me acompanhou de volta para o mar.
Ainda me lembro do seu olhar enquanto a água o sufocava e
enchia seus pulmões. E então seu coração parou. Estava quebrado, assim como ele
havia quebrado o meu anos atrás.
E cada vez que chega uma quarta, meu coração dispara! Pois nunca vou saber o que vai vir nesta vez.
ResponderExcluirE que coisa mais linda, triste, poética o conto de hoje!
Um amor, uma dor...decepções, tristezas, acalento.
Simplesmente, lindo!
Beijo
Este de todos os contos foi o melhor, posso dizer que me tocou profundamente, pelo fato de que talvez este homem tenha visto uma oportunidade de se arrepender pelo que fez com esta mulher, e lhe proporcionar um vida melhor e diferente, mas quando as lembranças voltam, tudo se encaixa perfeitamente, e vemos que os momentos ruins estarão sempre presentes, possa passar o tempo que for.
ResponderExcluirOi Felipe.
ResponderExcluirMenino você partiu meu coração.
Mas eu adorei o conto, é realmente algo para refletir, fiquei triste com o desfecho final, mas isso apenas prova que não importa o que aconteça, não da para apagar o passado.
Bjs.
Felipe!
ResponderExcluirFiquei imaginando que seria um conto de sereia...
Que triste os fatos narrados.
Uma vingança sem intenção.
Bom!
“É melhor saber coisas inúteis do que não saber nada.” (Sêneca)
Cheirinhos
Rudy
TOP COMENTARISTA DE OUTUBRO 3 livros, 3 ganhadores, participem.
Eu não costumo ler contos mas esse foi demais. amei. Feliz por ter tido a oportunidade ler. Parabéns ao autor.
ResponderExcluiro conto foi surpreendente do começo ao fim, não esperava mesmo por algo assim
ResponderExcluirhttp://felicidadeemlivros.blogspot.com.br/
Muitos sentimentos juntos... gosto do que vc escrever, parabéns me surpreendeu .
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