O RETORNO DE SATURNO
Lá estava ele deitado no quarto, encarando o teto, numa
quarta-feira a tarde. O celular vibrava a cada 30 minutos com mensagens
perguntando como ele ia comemorar os 30 anos de idade no dia seguinte. Ele não
tinha resposta, principalmente por acreditar que comemorar não parecia ser a
palavra exata.
Nos últimos 8 meses suas semanas tinham sido todas muito
iguais, tirando que nos dois primeiros meses tinha ao menos uma entrevista de
emprego por semana e agora ele não lembrava qual tinha sido a última vez que havia
colocado o terno preto e a gravata e se questionava se caberia nele ainda.
Cada manhã que acordava depois das oito ele era cumprimentado
com uma cara de reprovação. Seus pais não entendiam como, depois de tantos
investimentos, Rafael tinha chegado naquela situação.
Tudo foi pensado e planejado antes mesmo dele nascer. Todos os
caminhos já tinham sido pré-definidos e com uma estratégia daquelas não tinha
como ter um resultado diferente do que o sucesso.
Ele aprendeu a andar mais cedo que os primos. Aprendeu a ler e
escrever na pré-escola. Na terceira série já falava algumas frases em inglês,
que fazia as tias apertarem suas bochechas.
Conseguia o papel principal em todos os teatros da escola.
Nunca ficava de recuperação. Ganhou bolsa de estudos em um colégio particular.
Passou na primeira chamada no vestibular de uma faculdade pública.
Aos 20 anos estava com seu primeiro diploma. Aos 24 com o
segundo.
E apesar de tudo isso, ele não compreendia como aos 29 anos
ainda morava com os pais e não tinha a menor ideia do que fazer da sua vida.
Até os 25 tudo foi planejado e executado de acordo com o plano e agora o plano
era só um mapa que o tinha levado para lugar algum.
Enquanto crescia, Rafael foi inflado com a certeza de que seu
futuro seria brilhante e tudo estava garantido, aos 30 já seria diretor em
alguma empresa, teria sua casa própria (ou apartamento de luxo), seu carro
(importado), casado e com uma criança a caminho. Isso lhe era garantido, ele só
precisava seguir o caminho. E ele comprou essa ideia. Não, não era uma ideia,
era um plano.
Quando pensava em tudo isso, não culpava seus pais, parecia um
bom plano, parecia lógico e eles não poderiam imaginar que em 2017 o país
estaria numa recessão e com tanto desemprego. Ele também não se culpava, pois
tinha seguido todo o script, tinha se esforçado para seguir a risca o
planejado, queria todas aquelas promessas feitas. Ele queria culpar a economia
e o governo, mas via vários amigos, com trajetórias semelhantes, viajando pro
Caribe, comprando casas (e as colocando para alugar), abrindo seus próprios
negócios e crescendo.
O que Rafael percebeu é que a culpa foi de toda a certeza que
lhe foi dada. E frente à frustração ele estava paralisado e não havia ninguém
que pudesse oferecer uma fórmula mágica para salvá-lo, nada.
Olhando para o teto, Rafael se presenteou antecipadamente com
um ensinamento que nunca haviam lhe passado: “às vezes as coisas dão errado”.
Mais uma crônica que é um tapa na cara, não somente da sociedade, mas das famílias também. Que traçam planos e rotas, nem sempre cumpridas por seus herdeiros. Até porque não há como prever o andar do tempo.
ResponderExcluirPodemos dizer facilmente que amanhã andaremos no parque e do nada, cair a maior chuva e nos fazer ficar em casa, olhando a chuva bater nos vidros da janela.
Não há previsões, futuro certo, nada!
Adorei!!!
Beijo
Oi, Felipe!!
ResponderExcluirGostei muito do conto realmente as vezes as coisas simplesmente não sai como planejamos!!
Bjoss
Felipe eu adorei o conto de hj, uma realidade de muitas pessoas escrita aí...
ResponderExcluirParabéns!
Bjs
Felipe!
ResponderExcluirÉ bem triste se criar grandes expectativas e ao final, não ver seus intentos sendo concretizados...
Tamanha frustração...
Boas festas juninas!!!!
“O que importa afinal, viver ou saber que se está vivendo?” (Clarice Lispector)
Cheirinhos
Rudy
TOP COMENTARISTA DE JUNHO 3 livros, 3 ganhadores, participem.
http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/
Mais um conto que traz uma reflexão enorme.
ResponderExcluirSinto um pouco como Rafael. Todo mundo traz certezas pra sua vida e você acredita nelas e não em você.
Não sigo mais o que a minha família dita pra mim.
Conto muito bem pensado!
Parabéns!