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Amanhã é o enterro do Amarildo. Enterro cheio, do tipo que dá gosto de ver. Viúva, netos, primos, sobrinhos, irmãos, filhos, colegas de boteco, velhos amigos de infância até.

Vou gostar de ir nesse enterro.

Tento ir a pelo menos dois enterros por semana, mais até, se for feriado. Aproveito bastante: choro com as viúvas, como uns biscoitinhos no velório, tomo um chá, sigo o cortejo e, se puder, até jogo um pouco de terra sobre o defunto. Acho que nunca me senti tão realizado quanto na vez em que o filho de uma falecida torceu o pulso e, por falta de parente homem, me pediram para ajudar a carregar o caixão da velha.

Caixão lindo aquele! A velha Espiridiana foi enterrada num ataúde de mogno lustroso, tampa riquissimamente trabalhada com motivos eclesiásticos, pegadores dourados maciços, interior acolchoado e forrado em veludo vermelho! Praticamente um enterro numa Ferrari!

Nem sempre é enterro. Tem vezes em que eu quero variar e vou a cremações. Eu imagino que a fornalha seja para o morto como uma lareira para o burguês cansado. Um conforto no final de uma longa jornada, o tipo de descanso que só o fogo sabe como trazer. Confesso que também vejo um certo charme viking na coisa toda, um ar de pira funerária como as que davam aos seus grandes guerreiros, agora numa versão mais civilizada. Uma versão gourmet da barca para o Valhalla.

Enterros marítimos são o tipo mais estranho pra mim. Não consigo entender muito bem essa vontade de ser largado assim no mar para ser comida de tubarão. Mas isso é o meu gosto.

Ouvi uma vez sobre uma certa rainha inglesa que disse que seu funeral deveria ser apenas seu corpo sendo atirado de um canhão e onde quer que seu corpo caísse, lá deveria ser seu local de descanso eterno. Não sei se é verdade, mas a ideia da realeza voando pelos céus londrinos como um projétil enfiado num vestido cor-de-rosa cheio de babados sempre me pareceu engraçada demais para desconsiderar. E um pouco mais interessante do que enterro marítimo.

Os filipinos da região de Sagada têm o costume de colocar seus mortos em caixões, e estes em estantes fixadas nas encostas de uma montanha local. Diz a tradição que quanto mais alta a estante, mais fácil é para o morto chegar aos céus.

E claro, tem os egípcios e o seu pós-vida baseado totalmente na ideia de que o faraó precisaria de todos os seus tesouros terrenos no além-túmulo, enterrando o imperador com ouro, joias, escravos e todas as mordomias que poderiam faltar ao corpo inerte de um soberano escravagista.

Até hoje eu devo ter acumulado uns 2152 funerais, dentre enterros tradicionais, enterros de pobre, enterro de rico, enterro de celebridade, enterro de indigente, enterros verticais, cremações e até mesmo um enterro de vivo. Mas esse foi o de um ilusionista, e ele conseguiu se exumar. Maior decepção que eu já tive nesse mundo.

Não sei qual o tipo de enterro que eu gostaria de ter. Não espero que, quando finalmente encontrarem o que restou de mim naquela cabana à beira da estrada – se é que ainda existe algo para ser encontrado de mim a essa altura -, eu ganhe um enterro faraônico, com direito a escravas e sacrifícios para que eu leve uma vida após a morte no bem-bom, mas gostaria ao menos de ter o meu próprio caixão de mogno. É pedir demais?



























6 comentários

  1. Viajei totalmente nesse conto, bem diferente e eu nunca ia imaginar esse final, fiquei até surpresa achei quera apenas um cara que visitava funerais e claro achando isso estranho mais não esse final.
    Parabéns super bem escrito!!!

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  2. Impossível não ler este relato e ficar aqui me perguntando como eu queria ser enterrada..Mas sempre quis ser cremada(apesar de na minha cidade não ter crematório).
    Mas confesso..a ideia de ver meu corpo sendo jogado de um canhão me animou..rs
    Adorei!
    Beijo

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  3. gente que viagem esse conto, meu Deus, não esperava esse final
    http://felicidadeemlivros.blogspot.com.br/

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  4. Bruno!
    Amarildo é ótimo!kkkkkkkkkk Esperidiana é ótimo!kkkkk Onde pega inspiração para esse nomes?
    Fato é que além de um tanto mórbido, deu para dar boas risadas.
    Quem em sã consciência sente prazer em ir a enterros.
    E desejo que ele consiga seu tão sonhado caixão de mogno.
    “Não ganhe o mundo e perca sua alma; sabedoria é melhor que prata e ouro.” (Bob Marley)
    cheirinhos
    Rudy
    http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/
    TOP Comentarista de MARÇO, livros + KIT DE PAPELARIA e 3 ganhadores, participem!

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  5. Show, esse conto, hein!
    Parabéns!
    E que final! rs

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  6. Bruno, sinto que li um relato de uma pessoa muito próxima mim (exceto o final, óbvio, haha), que faz de velórios e enterros um verdadeiro hobby, que é capaz de dar altos chiliques se não avisarem que o filho da cunhada da amiga da prima faleceu. haha
    Esse prazer mórbido já virou piada entre os conhecidos, e a parte que cita o êxtase em ajudar a carregar o caixão me fez rir alto aqui, porque é isso mesmo: uma espécie de protagonismo da dor/momento dos outros e tal.

    Ah, se a profissão de carpideira ainda estivesse na moda...

    Ótimo texto!

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