Crônica: MERITOCRACIA

Olá!!

Hoje eu trouxe para vocês uma crônica escrita pelo autor Daniel Nonohay. Pra quem não se lembra, ele é autor do livro UM PASSEIO NO JARDIM DA VINGANÇA que já foi resenhado aqui no blog e vale a pena conferir. CLIQUE AQUI.









Meritocracia*
"Se você é neutro em situações de injustiça, você escolheu o lado do opressor." Desmond Tutu




Fernando estava sentado na mesa de jantar com a família quando viu o carro chegando. Um clima pesado instalou-se na sala. O inverno fora ruim para os negócios, como geralmente era. Todos ali sabiam que ele ainda não havia pago o preço devido ao vendedor do seu último carro. Era ele quem chegava para o cobrar pelo atraso e já havia mandado avisar que estava furioso.
Fernando não se abalou. Era, também, um vendedor. Construíra sua vida sobre esta habilidade. Ela já o havia tirado de um sem-número de problemas. Recebeu o vendedor na porta com um sorriso franco e sincero, como lhe era próprio. Convidou-o a entrar, comer e tomar um copo de vinho.
Em meio à conversa, enquanto ainda rediscutiam a forma de pagamento, Fernando elogiou o carro com o qual o vendedor chegara. Lá pelas tantas, os dois saíram para dar uma olhada no veículo.
O resultado? O vendedor deixou o carro com o qual tinha vindo e saiu com o que não tinha sequer sido totalmente pago. A dívida foi aumentada e renegociada.
Fernando é daquelas pessoas que possuem um talento genuíno. É inteligente. Sabe lidar com as pessoas, entre outras habilidades. Construiu uma grande empresa, que emprega boa parte da sua família.
Quando criança, não teve sequer uma sombra de Estatuto da Criança e do Adolescente para protegê-lo. Não foi criado por seus pais, mas por tios, semianalfabetos. Trabalhava de sol a sol. Educação não era importante ou prioritário. O essencial era ganhar o suficiente e sobreviver a mais um dia.
Num descuido do destino, que tem muitas outras pessoas para vigiar, fugiu da vida que lhe estava destinada e veio para Porto Alegre. Jovem, pobre, sem instrução e sem emprego. Contava apenas com o seu talento. E venceu.
Histórias como a dele fazem os defensores da meritocracia babarem de felicidade. Para eles, Fernando é uma prova viva de que o mérito individual, a persistência e a determinação prevalecem sobre todas as dificuldades. Prevalecem sobre famílias desintegradas e sobre a ausência de políticas públicas. Prevalecem sobre a omissão do Estado em garantir, ao menos, segurança, saúde e educação.
Infelizmente, seu caso prova o contrário.
Sempre que vejo histórias como a dele, de pessoas que largaram atrás, muito atrás, na corrida da vida, e conseguiram fazer uma longa prova de recuperação, eu imagino até onde poderiam ter chegado se tivessem largado junto com os outros. Onde estariam? Até onde poderiam ir sem essas âncoras que retardaram o seu progresso e lhes suprimiram anos inteiros de desenvolvimento? Certamente, muito além de onde estão, mesmo que estejam em boa situação.
Penso, também, nos milhares (milhões) que ficaram pelo caminho. Que não eram excepcionais. Que não tiveram persistência suficiente. Que tiveram que sustentar algum familiar doente. Que engravidaram antes do tempo, por ignorância. Que não tiveram o luxo de planejar a vida. Que não conseguiram sair do ciclo de trabalhar num dia para comer no outro. Ninguém registra a história dessas pessoas. Ficam à margem da estrada enquanto os outros passam, largadas em uma marginalização sem rosto. Unidas pela frustração. Nunca terão a chance de desenvolver suas potencialidades. Nunca serão quem poderiam ser.
A discussão sobre a meritocracia somente faz sentido quando as regras garantem um jogo minimamente equilibrado para todos.
No nosso Brasil, hoje, assim como em quase todos os países em desenvolvimento, ainda não conseguimos traçar linhas de partida minimamente próximas.
Defender a meritocracia em nossa realidade, portanto, é bater palmas para um jogo com regras desleais.



*Daniel Nonohay é natural de Porto Alegre. É casado e pai de duas filhas. Juiz do trabalho, escreveu o seu primeiro romance à mão, em dois cadernos pautados, quando tinha 17 anos. É autor de artigos técnicos, na área do Direito, e políticos que foram publicados em livros, jornais e sites. Organizou livros de coletâneas. É colorado. Atuou como professor e é pós-graduado em Direito do Trabalho, Direito Processual do Trabalho e Direito Previdenciário. Foi Presidente da Associação dos Magistrados do Trabalho do Rio Grande do Sul. Atualmente, aproveita cada segundo livre para escrever, a sua grande paixão (depois, é claro, das “suas mulheres”). Mais informações: http://www.danielnonohay.com.br/






COMPRE JÁBUSCAPÉSUBMARINOAMAZON















9 comentários

  1. É a lei do mais forte. A lei do saber levar a vida de uma forma diferente do convencional.
    Não entendo muito do assunto e confesso que até a palavra não é normalmente usada ou entendida por mim, mas gostei muito do que li acima.
    É uma crônica dirigida, mas muito boa!
    Beijo

    ResponderExcluir
  2. Ual...Gostei da crônica, não costumo ler mto sobre o assunto, mas é be interessante...
    Bjs

    ResponderExcluir
  3. Lelê, gosto muito de de crônicas,essa é de mexer com os nervos,já que trata de um assunto chamado cobrança, apesar do devedor,no caso ter comportamento habilidoso,calmo e centrado. Legal o personagem ser pobre e conseguir vencer na vida.Pena existirem outras que não conseguem alcançar esse mérito.Realmente meritocracia pode ser um jogo com regras desleais.

    ResponderExcluir
  4. É aquele negócio né, quem tem persistência e luta pelo que quer muitas vezes acaba conseguindo. Mas outras vezes as dificuldades da vida são obstáculos que acabam fazendo o individuo desistir, se perder pelo caminho...é complicado. Às vezes vencer é difícil demais...
    Mas o texto faz pensar em muitas coisas. Gostei, é muito bom.

    ResponderExcluir
  5. Oi, Lelê.
    Achei a crônica de hoje interessante, embora não concorde com a ideia do autor. Gosto de textos que nos fazem refletir assim.
    Beijos
    Camis - blog Leitora Compulsiva

    ResponderExcluir
  6. Estou aplaudindo aqui.
    Penso exatamente assim; meritocracia é uma falácia.
    Me lembrei dessa pequena hq que ilustra bem isso: http://cafecomsociologia.com/2015/05/meritocracia-em-quadrinhos.html


    Não conhecia o autor. Vou conferir a resenha do livro. :)

    ResponderExcluir
  7. Lê!
    Faz muito sentido toda análise feita pelo Daniel e temos mesmo de nos sobrepujar e sermos mais fortes do que o sistema, nos tornando diferentes e com um dom que traz o sucesso, caso contrário, estaremos fadados a mediocridade.
    “Saber encontrar a alegria na alegria dos outros, é o segredo da felicidade.” (Georges Bernanos)
    cheirinhos
    Rudy
    http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/
    TOP Comentarista de FEVEREIRO, livros + KIT DE MATERIAL ESCOLAR e 3 ganhadores, participem!

    ResponderExcluir
  8. legal trazer essa crônica, pois além de abordar um tema importante coloca o leitor para pensar
    http://felicidadeemlivros.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
  9. Gostei muito da crônica. É um assunto bastante interessante para ser discutido.
    Beijos

    ResponderExcluir

Deixe seu comentário!

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...
Topo