Tô Pensando em contos... Finalmente, férias






FINALMENTE, FÉRIAS





      
     Férias. Finalmente! Um final de semana apenas, mas são férias!

     Depois de doze anos de casada e quatro filhos, pela primeira vez vou ter um final de semana pra mim.

     Peguei a indicação de uma pousada na montanha com uma amiga. Ela me disse que o lugar é super tranquilo, que é frequentado por casais em lua de mel; há chalés e camping. Não pensei duas vezes e reservei.

     Parece uma casinha de boneca. Confortável e estiloso. Um cômodo com um frigobar, fogão de duas bocas, uma mesa, um aparador com uma pequena televisão e a cama de casal todinha pra mim. Do lado de fora tem uma varanda linda. Vou fotografar muito.

     Ainda é cedo, talvez por isso eu não tenha visto ninguém por aqui. Se houver casais, eles devem estar dormindo. Vou aproveitar a calmaria e dar uma volta.

     Fui até a área de camping; só duas barracas fechadas. Resolvi voltar à recepção; a atendente me recebe com um sorriso.

     — Olá! Está precisando de algo? Está tudo certo com seu chalé? Se quiser pegar alguma coisa aqui no armário ou na geladeira fique à vontade. Funciona como um mercadinho, só que coloco na sua conta, e você fecha no check-out. Mas você deve fazer isso antes das oito da noite, porque vou embora e a recepção fica fechada até amanhã quando a Dona Maria chega pra preparar o café.

     — Ah! Obrigada por avisar. Eu não sabia. Então, vou pegar umas coisinhas e sair por aí, tentar encontrar alguém.

     — Fique a vontade, mas acho que não encontrará ninguém esse final de semana. Essa família que está no camping veio pra ficar o mês, mas precisaram ir para a cidade e só voltarão na terça, e não há ninguém lá em cima, nos chalés, mas não se preocupe, amanhã de manhã a Dona Maria chegará as seis, quando você acordar, ela já vai estar aqui. Você vai descansar bastante!

     — Nossa! Nunca fiquei num silencio assim.  Em casa é tanto barulho, quatro crianças gritando o tempo todo...

     — Temos alguns livros ali naquela estante no fundo, aproveite e leve alguns pra ler, vai te fazer bem. Desculpe, não quero parecer intrometida, mas é que adoro ler, já li todos eles, e sempre me fazem bem.

     — Boa ideia. Obrigada. E também vou levar esses salgadinhos, chocolates e refrigerantes. Nem acredito que vou comer besteira sozinha!!! – mal conseguia me conter de tanta felicidade.

     — Olha, brinde da casa, macarrão instantâneo. É ótimo pra comer a noite. E umas salsichas pra acompanhar. Nem vou anotar. – ela piscou fazendo uma cara de brincalhona.

     — Obrigada novamente.

     Pego minhas duas sacolas e os livros emprestados e volto pro chalé.

     Agora que sei que vou ficar sozinha, confesso que estou nervosa. Queria descansar, ficar sem os barulhos tão comuns, mas não imaginei que seria só eu nessa montanha toda.

     Essa caminhada e a subida me deixaram com fome, preparo um lanche e como sentada na varanda olhando os pássaros passando pra lá e pra cá. O medo deu lugar à paz. O silêncio realmente é incrível e deve ser aproveitado. A mente trabalha com mais força. Lembro-me das crianças e sinto saudade. 

     Não pensei que sentiria isso; faz poucas horas que saí de casa, nem completou um dia ainda e já sinto falta daqueles pestinhas. Meu marido é um homem bom e paciente, tenho certeza que vai dar conta, mas também sinto falta dele. Até queria que ele estivesse aqui comigo, mas ele fez questão que eu viesse sozinha pra relaxar.

     Deito um pouco pra descansar e acabo pegando no sono.

     Quando acordo o sol já está se pondo. Vou até o rio pra ver o dia ir embora.

     E ele se foi. A escuridão só não é maior porque uma lua cheia e o céu carregado de estrelas iluminam tudo por aqui.

     Eu trouxe um vinho de casa, resolvo tomá-lo agora no chalé enquanto leio o livro. Como dormi quase toda tarde, o sono não deve chegar tão cedo, o vinho irá ajudar nisso.

     Escolho o romance, coloco na mesinha ao lado da cama, abro o vinho e sirvo-me no copinho de geleia. Quem precisa de taça? Encosto na cabeceira da cama, abro o livro e começo a lê-lo enquanto saboreio o vinho.

     As horas vão passando, já estou no segundo copo do vinho e na metade do livro quando escuto um estrondo do lado de fora do chalé. Tomo um susto tão grande que deixo cair o copo na cama sujando todo o lençol de vermelho.

     Vou até a porta, mexo na maçaneta e confiro se está trancada. Está. Olho pelas frestas da janela e não vejo absolutamente nada. Por um momento torço para não ver nada. Imaginar um par de olhos me olhando do lado de fora me dá vontade de sair correndo dali.

     Deve ter sido o vento. Tiro o lençol da cama e coloco outro pra poder terminar o vinho e a leitura. 

    Mas antes mesmo de recomeçar escuto outra pancada lá fora.

    Corro em direção à porta e sem pensar giro a maçaneta e abro com tudo, saio na varanda procurando de onde veio o barulho e vejo um cachorro olhando pra mim no último degrau da escada. 
Ele late e abana o rabo me convidando pra brincar, ou perguntando se tenho alguma coisa pra ele comer. Deve estar acostumado com a circulação de gente por aqui e sentiu-se perdido sem ninguém.

     Ótimo! Uma companhia!

     — Vem amigão! Vamos ver o que temos pra você! - ele entra e sobe na cama esparramando-se.

     Pego duas salsichas e levo pra cama e ele devorou em duas bocadas.

     — Então era você que estava me assustando, é?

     Ele me olha e abana o rabo como se me conhecesse há anos. Ajeito-me ao seu lado e continuo a ler o livro.

     De repente o cachorro levanta a cabeça e empina as orelhas, olho pra ele e pergunto o que foi, mas ele nem me dá atenção, começa a rosnar, olha pra porta e late.

     — Ei, garotão, o que foi?

     Outro estrondo do lado de fora do chalé. Mas que diabos está acontecendo?

     Dessa vez não levanto da cama, pelo contrário, pego a coberta e jogo por cima de mim e começo a chorar feito uma criança desesperada. O cachorro late e eu entro em pânico.

     Começo a gritar! Outra pancada.

     — Quem é? O que você quer?

     Mais outra.

     Grito ainda mais alto já não aguentando a tortura do barulho, do medo e dos latidos.

     Minhas mãos tremem, meus olhos mal se abrem com a quantidade de lágrimas, meu desespero é imenso, os latidos se intensificam e eu levanto não suportando mais.

     Vou até o fogão e pego uma faca que está ao lado, não é grande coisa, uma faquinha de cozinha, mas é o que tem. E é quando me dou conta de que o barulho cessou. O cachorro não está mais latindo e tudo parece normal. Não sei o que fazer. Se me deito e tento dormir, se viro o resto do vinho, se saio pra ver o que há. Só não quero ir pegar o carro. Nem pensar em descer esse morro até a recepção.

     Nessa de pensar tanto acabo deitando na cama e o cachorro no chão ao meu lado como se quisesse me proteger. Ficamos nos olhando, parceiros em algo que não conhecemos.


     Escuto meu celular tocando, o despertador... Medo de abrir os olhos sem saber  o que verei.

     — Querida, você não vai levantar? Já está na hora de ir pra pousada. Vá antes das crianças acordarem. É melhor que elas não te vejam sair.

     Abro os olhos e encaro meu marido, olho ao lado da cama procurando o cachorro. Não tem cachorro. Estou no meu quarto.

     — Que foi? Você está bem? Deixou cair alguma coisa aí no chão?

     — Não. Estou bem. Não quero mais ir. Você se importa se eu ficar?

     — Mas você queria tanto! Disse que precisava descansar de nós, que o estresse estava te matando. Não tô te entendendo.

     — Sei lá. Não quero mais. Perdi a vontade.

     — Então vou ligar lá e cancelar pra não ficarem te esperando.

     Viro pro lado e fico olhando pra parede pensando no sonho que tive. O que foi aquilo? Nunca vivi algo tão real em um sonho.

     — Que estranho. Ninguém atende.

     — Hein?

     — Na pousada. São sete da manhã, alguém deveria atender, não?

     — Depois eu ligo.

     Não, não vou ligar. Deixa pra lá.














12 comentários

  1. Wowwww!!!!!
    As quartas são especiais!!! É o primeiro local que venho,só pra me deliciar num novo conto!
    E hoje está ainda mais show que os demais!
    O suspense está em cada linha, mesmo com uma pontinha de pena, de dó mesmo da personagem. Tão cansada, tão mãe, tão esposa, tão sonhando com paz e mesmo assim, com vínculos tão fortes à família que fica complicado se desfazer.
    Amei cada palavra!!!
    Beijo

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  2. Melhor não ir msm kkkk
    Eu não iria!
    Já foi um aviso pra não ficar sem a família...
    Adorei!
    Bjs

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  3. Bom dia Alê,

    kkkkkkkkkk....acho que depois de um sonho desse acho que nem eu, a rotina e a família é bom demais....adorei o conto...bnjs.


    devoradordeletras.blogspot.com.br

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  4. Muito loucoo, mais ainda vou preferir minha família depois desse susto todo.
    Abraços!!

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  5. Oi, Lelê!!
    Adorei o conto!! É melhor assim!! Pelo menos o sonho a salvou de algo pior!! Parabéns pelo conto!!
    Beijoss

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  6. Muito bom. Recomendo dar atenção a certos sonhos que parecem premonições.

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  7. Lê!
    Melhor a agitação de casa do que a solidão do desconhecido...
    “Saber interpor-se constantemente entre si próprio e as coisas é o mais alto grau de sabedoria e prudência.” (Fernando Pessoa)
    cheirinhos
    Rudy
    http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/
    TOP Comentarista de FEVEREIRO, livros + KIT DE MATERIAL ESCOLAR e 3 ganhadores, participem!

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  8. Lelê,que incrível no começo pensei que ela já estava na pousada na tão sonhada férias, longe dos seus em um lugar deserto apenas com um cachorro é um barulho enorme e constante que não se sabe a origem.Que bom que era um sonho,ou melhor quem sabe um aviso.Melhor mesmo não ir.Amei!😘❤

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  9. oi Lê, que conto bacana, reacendeu a questão familiar, do porto seguro e ainda mostrou a importância de seguir intuição

    http://felicidadeemlivros.blogspot.com.br/

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  10. Depois de um sonho desses acho que é melhor ficar quietinha onde está mesmo. Tira férias na cama e dormindo que você ganha mais.
    Que medonho! Acho que teria me borrado se um troço desses acontecesse comigo. Nem cachorro ajudava!
    Sonho ruim demais.

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  11. Oi! Pois então... Estava com uma dificuldade danada para conseguir publicar meu comentário, mas vamos lá... Deve ser a quarta ou quinta tentativa. haha

    Comecei a ler imaginando ser um conto tranquilo, apenas reflexivo, mas do nada, vira um suspense que me deixou apreensiva e um pouco desconfortável. Parabéns, objetivo super alcançado!

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  12. Oi Alê! É a primeira vez que leio um conto seu e achei o máximo sua escrita! Uau, que final surpreendente! Depois desse pesadelo é melhor não ir mesmo!
    Beijos!

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