DOIS DIAS VERMELHOS
Ele está chegando perto do carro
com o envelope. Uma sentença ou um suspiro. Tentei descobrir pelo rosto do meu
melhor amigo alguma emoção, mas não tem nada ali. Se esse não é o momento mais
tenso da nossa amizade, ao menos é um deles. A gente sabe que esse é um dia que
vamos lembrar pra sempre.
Antes de chegar ao hospital, vi
que minhas mãos estavam suadas, e eu nunca transpiro por nervosismo. Agora eu
estou com as unhas todas roídas e pedaços dos dedos em carne. O Pedro estava
vindo até mim e o envelope estava aberto – mesmo assim eu não tinha coragem de
saber o resultado daquele exame. Chupei uma bolinha de sangue do dedo médio.
Tempo é uma coisa engraçada; um
dia antes não estávamos como agora. Vesti vermelho, uma das cores que o Pedro
mais gosta, e fomos para a Paulista. Estava quente, tínhamos dinheiro e
compramos livros e o presente de aniversário do namorado do Pê, comemos muito
mais do que o necessário para se satisfazer, nos empurramos na rua, mexemos com
as pessoas. Tiramos uma foto engraçada, gritamos palavrões para chamar atenção,
aplaudimos um show de mágica no meio da rua.
Cerca de 24h depois estou sugando
uma gota de sangue do dedo e sem um pingo da alegria do dia anterior.
Buzinei em frente ao portão do Pê
meia hora antes do combinado, e eu sempre me atraso. Não escutamos música no
caminho pela primeira vez. Em frente ao hospital, eu disse que estava muito
nervosa e que não conseguiria ver.
- Traz o resultado e a gente vê
junto. Amo você.
Só que agora eu sei que ele já
viu. Finalmente entrou no carro e suspirou muito fundo. A voz dele saiu
falhada, como quando tínhamos 13 anos e ele começou a ter barba e engrossar o
modo de falar.
A gota ficou com um gosto muito
forte – parecia que eu tinha engolido um copo de sangue. O meu pra saber do dele.
- Positivo, Lana. Eu sou
soropositivo.
O que parecia que era, na realidade, não foi.
ResponderExcluirCaramba!!!rs
Um conto tão curto, mas com tanto conteúdo, tanto medo, tanta apreensão, tanto sentimento.
Sempre digo que há dois sentimentos que considero os piores: A culpa e o medo!
E este trouxe o medo em cada linha!
Parabéns!!!
Beijo
um conto da vida real, das possibilidades, das emoções! adorei
ResponderExcluirhttp://felicidadeemlivros.blogspot.com.br/
Oi, Allana!!
ResponderExcluirUm conto curtinho mais de muita verdade e traz a realidade de várias pessoas que descobrem que são soropositivo.
Beijoss
Curtinho mas cheio de montanhas russas de emoção. Parabéns para a autora, um verdadeiro talento!
ResponderExcluirUm abraço!
http://paragrafosetravessoes.blogspot.com.br/
Allana!
ResponderExcluirTexto bem atual e aborda um clima difícil de encarar.
Achei criativo, estava achando que era um teste de gravidez...kkkk
“Não há nada que faça um homem suspeitar tanto como o fato de saber pouco.” (Francis Bacon)
cheirinhos
Rudy
http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/
TOP Comentarista de NOVEMBRO com 3 livros + BRINDES e 3 ganhadores, participem!
Uaaal Alanna!!
ResponderExcluirEsse assunto ainda infelizmente é pouco abordado...Adorei!
Bjs