A MORTE DO MALAVÉIA
Eu comecei a preparar alguns textos para essa semana, mas
nenhum deles ficou bom, então resolvi compartilhar com vocês uma história que
aconteceu comigo há um tempo. Os leitores que acompanham o Tô Pensando em Ler
há algum tempo podem reconhecer na história elementos de um conto mais antigo,
e não será por acaso: esta história é a verdadeira inspiração daquela, apesar
de que colocadas lado a lado, aquela acabe parecendo mais real. Enfim, vamos à
história.
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Eu tinha acabado de chegar em casa quando
a mensagem apareceu no grupo. O João Olímpio, primo do meu avô, morrera durante
o dia e o enterro seria no dia seguinte. Eu mentiria se dissesse que fiquei
triste demais com o fato. A verdade é que na época, devido a uma combinação de
fatores aleatórios, eu estava cansado de ver pessoas da idade do primo João
morrendo. Ah, e eu também não gostava do João.
Acho que toda família sofre com aquele
parente carola que vive se intrometendo na vida de todo mundo, pregando a torto
e a direito para quem quiser ouvir ou não. Eu sempre fui parte do “ou não”, mas
isso nunca parou o João. Várias tardes da minha infância foram passadas sob as
orações do velho, com uma mão na minha testa e outra segurando a mala velha onde
carregava sua Bíblia. Daí vinha o apelido pelo qual a família o conhecia, João
Malavéia.
Eu não gostava do Malavéia, mas por algum
senso de família ou qualquer outra coisa boba do tipo, acabei concordando em ir
ao enterro do velho. Ele estivera nos enterros dos meus avós, então pareceu a
coisa certa a se fazer.
O
velório aconteceu no Cemitério Lajeado, o mesmo em que os meus avós haviam sido
enterrados um ano antes. Cumprimentei os parentes que estavam na salinha com o
defunto e dei uma olhada rápida no morto. Meu pai, que perdera o próprio pai
para o câncer recentemente, olhou para João e comentou sobre como a doença
mudava as pessoas. Eu havia visto como meu avô fora de um homem forte para um
esqueleto encarquilhado em questão de meses e tive que concordar. O homem ali
no caixão mal parecia o Malavéia.
Faltando ainda umas duas horas para
enterrarem o velho, resolvi dar uma volta pelo cemitério. Eu não reconhecia a
maior parte das pessoas ali, e achava desrespeitoso de minha parte ficar
conversando no celular enquanto elas se despediam de um ente querido. Era tarde
de quarta-feira, o dia estava ensolarado, e eu acabei sentando sob a sombra da
árvore que ficava ao lado da cripta dos meus avós.
Cabem dizer duas coisas aqui: a primeira
é que eu havia passado o fim de semana anterior com amigos que conversaram com
a maior naturalidade sobre suas experiências com “aparições” e espíritos. Eu
fiquei de fora daquela conversa pela falta de um currículo sobrenatural de
minha parte, mas naquela tarde me sentia curiosamente aberto para coisas do
tipo. A segunda coisa é que passavam das 15h, e eu não tinha almoçado quando o
Malavéia veio caminhando em minha direção.
Aquele era o Malavéia de quem eu me
lembrava. Roupa social, camisa de mangas curtas com uma caneta saindo do bolso,
sapato apertado debaixo daquele sol. Olhando com mais atenção, era possível ver
feridas na testa e no couro cabeludo, que o João dizia serem causadas pelo
câncer. Eram as únicas mudanças entre o Malavéia que eu conhecera na infância e
este na minha frente.
Vivo ou aparição, os assuntos do João
Malavéia não mudavam. Na frente do jazigo dos meus avós, ele arengava sobre a
necessidade das virtudes cristãs, sobre como era importante ser um bom cristão
(que na definição dele deveria ser alguém que não para de falar) para evitar o
Inferno, pois lá tinha alguém com quem ninguém gostaria de se encontrar.
Por minha vez, eu concordava e negava com
a cabeça enquanto ele falava, me esforçando para criar a ilusão de que prestava
atenção enquanto tentava entender a situação. A figura na minha frente parecia
muito mais com o primo de que eu me lembrava do que aquele no caixão, mas o
sermão sobre ir para o Céu ou o Inferno parecia bastante apropriado para uma
alma penada. Enquanto isso, uma vozinha na minha cabeça amaldiçoava os
Caça-Fantasmas por nunca terem colocado o número para contato na sua música
tema. Uma outra voz, mais forte, vinda do meu estômago, me lembrava que eu
ainda não tinha almoçado e havia bolachas e suco na salinha do velório. Curioso
e faminto, tomei a decisão de confrontar o desmorto com seu próprio corpo.
Resolvi voltar com o Malavéia para o velório e ver o que aconteceria e, se
possível, comer algumas bolachas.
A essa altura, quem estiver lendo a
história já deve ter adivinhado o final. No caminho para o velório, o Malavéia comentou
que ele e meu avô eram primos do morto, que também se chamava João. No caso, o
Olímpio, que em vida fora companheiro de copo do meu avô por mais tempo que
qualquer um deles conseguiria se lembrar. O João que eu conhecia,
o Malavéia, era o santo da família.
Eu tenho a impressão de que teria gostado
mais do morto.
Oi, Bruno!!
ResponderExcluirAdorei o conto, muito legal essa estória!! Gosto muito das quartas por que temos sempre contos maravilhosos!! Parabéns!!
Bjoss
Olá Bruno!
ResponderExcluirQue conto heim, talvez vc iria gostar msm do falecido viu... kkkk
Parabéns!
Bjs
Bruno!
ResponderExcluirTirando o fato do tal ter morrido e você estar em um velório, me acabei de rir...muito bom!
Espero que tenha aproveitado as bolachinhas...kkk
“Inteligência não é não cometer erros, mas saber resolvê-los rapidamente.” (Bertolt Brecht)
Cheirinhos
Rudy
TOP COMENTARISTA DE SETEMBRO 3 livros, 3 ganhadores, participem.
Oi Bruno, tudo bem?
ResponderExcluirAdorei o conto, uma experiência bem sinistra eu diria hahaha gostei do rumo da história! Ótima escrita, parabéns!
Obrigada pelo carinho. Volte sempre!
Um super beijo :*
Claris - Plasticodelic
Um conto misturando esse lance da morte(mesmo não sendo de alguém "gostado" e bom humor. Não poderia ter sido diferente..
ResponderExcluirSó faltou acrescentar: Tudo estava bom até eu descobrir que quem havia morrido era eu..rs
Adorei!
Beijo
um bom conto, as quartas no blog ficam ainda mais especiais
ResponderExcluirhttp://felicidadeemlivros.blogspot.com.br/