Padre João
A mulinha puxava a carroça pela estrada esturricada de sol
em direção ao cemitério. O padre puxava as rédeas fazendo careta para o sol,
sentindo o mormaço cozinha-lo dentro da batina. Só se sentia melhor do que seu
primo, o passageiro que levava no caixão para conhecer o novo coveiro da
cidade.
Não havia cortejo seguindo a carroça, como não houvera
velório e não haveria herdeiros para disputar as dívidas do velho João, a não
ser pelo próprio padre. As manchas e feridas que se espalhavam pela pele do
homem de Deus diziam que ele não teria muito tempo para se preocupar com elas.
- Me ajude aqui com o primo. ̶ pediu o padre quando chegou à cova que o
funcionário do cemitério cavara para o defunto. ̶ Deus te abençoe, meu filho.
- Deixa comigo, padre. ̶ disse
o coveiro pegando o caixão sozinho ̶ o senhor não tá com cara de quem aguenta
carregar caixão.
- O Senhor está no Céu, meu filho. ̶ respondeu o homem
encarquilhado.
- Se o senhor diz,
padre ̶ disse o coveiro colocando o
caixão no chão com facilidade. Era um homem forte, os músculos dos braços
brilhavam ao sol. Tivera a presença de espírito de usar um chapéu de palha para
o trabalho, o padre percebeu com uma pontada de inveja. ̶ Não teve velório?
- Não. ̶ respondeu o padre ̶ João só tinha a mim, esse pecador. No fim,
nem os outros cachaceiros quiseram ver o enterro.
- E o senhor não vai querer rezar uma missa para encomendar
a alma do falecido?
- Pra quê? ̶ perguntou o padre ̶ Eu fiz isso a vida toda,
mas esse infeliz só sabia beber e jogar. Eu avisei, eu rezei, eu tentei trazer
o primo pra Igreja, mas o Satanás foi mais forte que aquela alma. Que vergonha ̶ lamentou
o padre sacudindo a cabeça.
- Não precisa ter vergonha de família, padre.
- Você não está entendendo, meu filho ̶ disse o padre
cobrindo o rosto com a mão ̶ Nós fomos criados juntos. A nossa avó cuidou
de nós dois naquela casinha de fazenda, ensinou a temer a Deus.
Tentou, pelo
menos. Aí esse infeliz vai e morre por causa de dívida de jogo! Deixou o nome
dos dois sujo, o que é pior.
- Como assim, o nome dos dois?
- Meu nome também é João, meu filho. Mesmo nome e mesma
idade.
- Mesmo nome? Curioso... ̶ comentou o coveiro, que tinha acabado de
baixar o caixão e pegava sua pá para cobrir o defunto.
- Coisa de cidade pequena ̶ disse o Padre João ̶ as
mães dos dois quiseram dar o nome do avô.
- Então os dois eram João, tinham 75 anos, e ele morreu por
causa de uma dívida de jogo? Tinha mais alguém na família?
- Só eu ̶ disse o Padre João.
- Sabe o que é Seu
Padre? ̶ começou o coveiro olhando dentro da cova ainda
aberta. ̶ Me pagaram a para enterrar um homem chamado João, de 75 anos e com
dívida de jogo. A dívida dele agora é sua, não é?
-É... ̶ confirmou o
padre sem entender aonde raciocínio estava indo.
O coveiro girou sua pá acertando com força a cabeça do
padre.
-Odeio fazer o mesmo serviço duas vezes ̶ disse o coveiro jogando terra sobre o corpo
do Padre João.
Bruno Catão
Caramba!!!!
ResponderExcluirAdorei...rs
Contos sempre mexem com minha imaginação e até já tentei escrever um ou outro, sempre nessa pegada do terror, suspense e final improvável!!
Me surpreendi e vou aguardar ansiosa o próximo post!
Parabéns :)
Beijo
Bruno,o seu conto é muito bom,ele nos prende do início ao fim,mesmo ele não tendo tratado do meu tema preferido,possui uma dose certa de suspense e mistério,sem falar da ironia do final,simplesmente... amei!Aguardarei o próximo,até lá.
ResponderExcluirque final. hein?
ResponderExcluirmeu Deus, totalmente fora da minha expectativa, fui pega bem de surpresa!
http://felicidadeemlivros.blogspot.com.br/
Eita Bruno!
ResponderExcluirBem criativo.
Fiquei com dó do padre...kkk
“Saber encontrar a alegria na alegria dos outros, é o segredo da felicidade.” (Georges Bernanos)
cheirinhos
Rudy
http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/
Top Comentarista fevereiro, 4 livros e 3 ganhadores, participe!
Bom dia Bruno,
ResponderExcluirkkkkkkkkkkkkkk...muito bom o texto, esse é o exterminador dos João, missão dada missão cumprida...kkk...parabéns pelo texto...abraço.
devoradordeletras.blogspot.com.br
Esse final, foi muito bom, estava imaginando outra coisa.
ResponderExcluirAmei o conto, me surpreendi com o final. Coitado do padre que pagou pelo pecador.
ResponderExcluirBj
garotassemcontrole.blogspot.com