A
NOITE DAS UVAS
Mais uma noite em que
precisei trabalhar até mais tarde na taverna. Servir mesas é o melhor que posso
fazer para sustentar meus filhos, mas não é o trabalho mais seguro. Ainda mais
na hora de voltar pra casa. Impossível não sentir medo nessa escuridão.
Um grito de mulher vem do final da rua. Olho,
mas não vejo nada. Continuo andando muito apreensiva, até que vejo uma carruagem
com um condutor. Perto portinhola outro homem carrega uma mulher nos braços.
Eles entram no coche que parte rapidamente. No chão, resta apenas algo que vi cair das
mãos ma mulher. Não sei por que pego.
Eram só gahinhos, restos de um cachos de uvas.
Um
dia inteiro se passou. Estou de volta ao trabalho na taverna, e enquanto sirvo
uísque barato aos fregueses, escuto uma conversa assustadora. Alguns
marinheiros comentam sobre uma mulher encontrada estripada e com o pescoço
cortado de orelha a orelha, o sangue da infeliz tinha encharcado toda a calçada
onde fora abandonada.
Por
um momento, desconfio que a morta poderia ser a mulher de ontem, mas logo me
convenço de que sou alguém insignificante demais para fazer parte de um
acontecimento desse. Além disso, não havia visto mais do que sombras, como poderia
contar algo assim à Scotland Yard? Ia me meter em encrencas, isso sim! Pensando
assim, decido ficar quieta, felicitando-me por ser cautelosa e saber o meu
lugar. Aprendi desde pequena a não me meter onde não sou chamada. O silêncio é
a melhor proteção para pessoas como eu.
Graças à história da morta, a taverna ficou
mais cheia do que o normal. Todos querem saber notícias e detalhes do crime. Agora
estou com muito mais medo e quero ir
logo para casa. Mas é impossível. Trabalho até bem depois do sol se pôr.
Hoje a rua parece mais escura do que ontem.
Mais do que nunca, não há viv’alma. Todos estão assustados, trancados em suas
casas, onde eu gostaria de estar também, e por isso estou quase correndo. O som dos meus sapatos ecoa pela rua, mas não
me importo. Só quero chegar logo ao abrigo do meu lar. Suspiro fundo, pois
estou quase chegando.
De repente, ouço um ruído indistinto. Paro e
olho para trás. Não vejo nada além da rua vazia. Mas o barulho torna-se mais
claro, são cascos de cavalo e rodas. O som das batidas do meu coração se iguala
ao trotar que se aproxima, trazendo consigo uma bela carruagem.
Sinto um frio na barriga, começo a tremer dos
pés à cabeça. Não consigo mais correr, minhas pernas não deixam. O medo toma
conta de mim.
A carruagem para ao meu lado. Um homem
elegante olha para mim através da janela do veículo, abre um sorriso e diz:
— Boa noite Miss Elizabeth!
Tento me lembrar de onde o conheço e como
ele sabe meu nome. O cavalheiro olha para mim como se estivesse lendo a minha
mente e continua:
— Sou Sir Willian, não me reconhece? Passou
o dia me servindo na taverna.
Sorrio aliviada. Quem não conhece Sir
Willian? Parece ligeiramente diferente sob a cartola que cobre quase toda a sua
fronte.
— Ah! Claro que sim, senhor!
— Muito bem! Ele olha ao redor com olhos
brilhantes. — Mas a senhora não acha perigoso ficar andando pela rua a essa
hora? Ainda mais com um assassino solto por ai. Deveria ter saído da taverna
mais cedo, não?
Fico um pouco envaidecida por um cavalheiro
como ele se preocupar com a minha segurança.
— Oh!
Não precisa se preocupar, estou próxima de casa.
— Imagine, estou seguro nesta charrete, e a
senhora também ficará. Diga ao cocheiro onde mora e ele nos levará. Não é
trabalho nenhum, nem me passa pela cabeça deixá-la no meio da rua depois de
todas essas histórias horrendas de assassinato.
Ele sabia ser bem convincente. Acabo dizendo
ao cocheiro o meu endereço e Sir Willian me ajuda a subir no coche. Como é
gentil esse homem, e como é bonito! Não consigo parar de olhar pra ele.
— A senhora sempre sai assim, tão tarde?
— Não, senhor, mas por causa da moça
assassinada a taverna ficou muito cheia. Foi por isso. E preciso do dinheiro.
Sou viúva e não posso perder este trabalho, custe o que custar.
— Entendo – Sir Willian neste momento abaixa
a cabeça, vejo um leve sorriso em seus lábios. Não compreendo onde está a
graça, mas não sou impertinente a ponto de lhe perguntar. E nem teria tempo,
pois ele abre uma cesta que leva sobre o assento ao seu lado, e diz:
— A senhora deve estar cansada e com fome,
não é mesmo? Coma um pouco antes de descer.
Não penso duas vezes ao ver a cesta cheia de
uvas frescas. Pego um cacho e coloco uma uva suculenta na boca mordendo-a com
vontade.
Então a cena da noite anterior volta à minha
mente. O cacho sem uvas sobre o calçamento de pedras. Horrorizada, sinto o
estranho gosto amargo na boca. A minha garganta se fecha impedindo a entrada do
ar. Eu me debato sob o abraço duro e impiedoso do homem na carruagem.
Por um segundo, antes de mergulhar na
escuridão, percebo que a última noite triste, fria e definitiva, havia
finalmente chegado para mim.
Uau!!! Como achar palavras para descrever a emoção em ler um conto tão conto?rs
ResponderExcluirEu sou apaixonada por estes contos...mesmo achando que nesse tenha faltado uma pontinha a mais de mistério e suspense. É como ter todos os elementos necessários para se fazer um conto arrepiante e acabar deixando estes elementos se perderem. Mas nem por isso, é ruim!!É muito bom!!!
Beijo
Lelê,bem terrível esse conto,numa noite um sequestro,sobram apenas galhinhos de uva.Depois um ataque de um estripador.Nossa que medo me veio quando a personagem vê a carruagem do Sr. William,nossa que fim impiedoso,quando constata quem ele é na verdade!!!Amei muito envolvente,curto mais envolvente.Beijos!!!
ResponderExcluiradorei a ideia de ter contos frequentes por aqui! talento para a escrita não falta,a s histórias são agradáveis
ResponderExcluirhttp://felicidadeemlivros.blogspot.com.br/
Olá, Lelê.
ResponderExcluirAmei ainda mais esse conto do que o anterior. Mais interessante, sombrio e com mortes. Nem preciso dizer que amei, né?
Esse bem que poderia virar um conto maior. <3
Desbrava(dores) de livros - Participe do top comentarista de fevereiro. Serão dois vencedores!
U-A-L! Fiquei sem ar com esse conto, eu no lugar dela ia morrer de medo só de andar nessa rua escura sozinha! Adoro o gênero, gostei muito da história e da forma de escrever, muito bom mesmo, maravilhoso! Parabéns!
ResponderExcluirObrigada pelo carinho. Beijos :*
Claris - Plasticodelic
Oi, Lelê!
ResponderExcluirNão sabia que você estava publicando contos no blog, adorei a ideia. Amo o gênero e gostei da sua história, bem interessante.
Parabéns! Quero ler outros agora.
Beijocas.
http://artesaliteraria.blogspot.com.br
Lê!
ResponderExcluirO conto é seu?
Muito bem escrito.
Gosto muito de contos e se os teremos aqui constantemente, será enriquecedor.
Falta apenas saber quem escreveu...
“Saber é compreendermos as coisas que mais nos convêm.” (Friedrich Nietzsche)
cheirinhos
Rudy
http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/
Top Comentarista fevereiro, 4 livros e 3 ganhadores, participe!
Nossa, adorei o conto, parabéns à quem escreveu, é muito bom ter assuntos variados no blog, quantos mais conhecimento melhor. Abraços, queremos mais *-*
ResponderExcluirVai sempre ter contos por aqui? Gostei, não me imagino nessa situação 9amém), mas gostei!
ResponderExcluirAdorei Lelê! Muito bem escrito, vou esperar por mais contos assim!
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