O Castelo
da Rua X
A cidade de Sant’Antão da Preguiça era mais do que tranquila. Era
morosa. Monótona mesmo. Até as velhinhas que, em outras cidades do interior
passariam seus dias fofocando das janelas, ali em Sant’Antão já haviam
desistido disso. Nada nunca acontecia em Sant’Antão, e elas sabiam muito bem
disso.
Uma vez, há muito tempo, um jovem empreendedor tentou abrir um jornal na
cidade. O Gazeta de Sant’Antão tinha uma página com os dizeres “Está tudo bem”
escritos sobre uma foto da cidade, e mais nada. O jornal foi um sucesso, mesmo
que as pessoas só os comprassem para seus animais terem onde fazer as
necessidades.
Entre todos lugares em que nada acontecia em Sant’Antão da Preguiça, o
mais parado de todos era a Rua X. As coisas que não aconteciam em Sant’Antão da
Preguiça, na Rua X não aconteciam com muito mais força. A rua tinha esse nome
porque alguém na prefeitura ficou tão entediado ao ver a Rua X que nem quis se
dar ao trabalho de registrá-la. Joga uma incógnita aí e fica tudo certo.
Terezinha morou na sua casinha na Rua X pela maior parte da sua vida, e
estava mais do que convencida de que nada nada jamais aconteceria ali. De certa
forma, era uma bênção. Ela sabia muito bem o que esperar da vida na Rua X de
Sant’Antão da Preguiça e, no geral, a vida condizia com suas expectativas.
Então o barulho começou.
Dona Terezinha acordou de um pulo, deixando cair o
crochê no chão. Mas que barulho todo era aquele? Soava como se alguém soprasse uma daquelas malditas vuvuzelas da copa!
As cornetas continuaram a tocar do lado de fora. Ela
podia aumentar o volume da TV — estava passando Balanço Geral, e ela achava o
moço tão simpático — ou poderia ver qual era o motivo de toda aquela
barulheira. Aumentou o volume da TV.
Mais vuvuzelas se juntaram à anterior, fazendo com
que Terezinha aumentasse ainda mais o volume da TV. Ora essa, o que esse povo
tinha na cabeça? Nem dia de jogo era! Não dá nem pra ouvir o Geraldo!
— VAMOS PARAR COM ESSA... — ela berrou escancarando a porta da
rua, e então parou.
Comece pelos cavalos. Cavalos não eram mais tão
comuns em Sant’Antão quanto na infância de Terezinha, mas pelo menos eles eram
só aquilo. Três cavalos. Três cavalos bem enfeitados, aliás. Sobre os
cavalos... Bem, aí é que está.
Os olhos de Terezinha enviavam um sinal para o
cérebro. O cérebro, por sua vez, se esforçava para entender a mensagem.
Memórias discutiam entre si para chegar a uma conclusão. Havia três figuras
sobre os cavalos, homens vestidos em metal dos pés às cabeças, com pequenos
buracos por onde se podia ver seus rostos. Ela já tinha visto aquilo nos
filmes, embora já fizesse algum tempo. As memórias finalmente chegaram a um
consenso:
— É o Robocop!
Os cavaleiros se entreolharam, confusos. Um deles,
com o desenho de uma pomba no escudo que trazia pendurado ao lado do cavalo, deu
de ombros. Era um gesto complicado para se fazer com todo o peso da armadura,
mas ele deu um jeito.
—Minha senhora...
—Por que cês tavam cornetando aqui na rua, seu
Robocop?
—Minha senhora, nós somos cavaleiros, não esse tal
de Robert Cop!
—E desde quando cavalheiro fica cornetando na porta
de uma dama?
—Minha senhora, nós somos cavaleiros e nos
desculpamos pelo barulho. — disse um dos outros que havia ficado mais para
trás. Seu escudo tinha um peixe.
—Pois faz bem. Seus amigos deviam aprender a pelo menos
pedir desculpa.
Peixe desceu de seu cavalo e se aproximou de
Terezinha.
—Senhora...
—Terezinha — ela disse. Com o visor levantado, até
que o Robocop do peixe não era de se jogar fora.
—Senhora Terezinha, nós somos cavaleiros e viajamos
por muito tempo e... a bem da verdade, não sabemos muito bem onde estamos.
—Ou quando — disse um dos outros. Este tinha uma
lontra no escudo.
—Ou quando, — concordou Peixe. — Ou quando estamos.
Mas veja bem, nós viemos até aqui....
—Trouxemos até o castelo... — disse o Pomba.
—Trouxemos até o castelo — concordou Peixe apontando
por cima do ombro. Ali, a umas três casas de distância, estava um castelo,
completo com fosso, ponte levadiça e torres com flâmulas balançando ao vento.
—Como vocês trouxeram um castelo? Como se carrega um
castelo?
—Com cuidado, senhora — respondeu Lontra.
—Com cuidado — repetiu Peixe. — O problema é que
nesse caminho todo, parece que perdemos a rainha.
—Vocês perderam uma rainha?
—Pois é. Bem, — falando um pouco mais baixo, Peixe
falou mais perto de Terezinha — na verdade o Pomba ali que perdeu a rainha.
—E como fica o castelo?
—Fica mal, senhora. Fica... vazio, sabe? Todos
aqueles servos sem ter o que fazer, todos aqueles banquetes desperdiçados, as
nossas tropas ficando entediadas... A senhora não conheceria alguém por aqui
que gostaria de ser rainha?
A Senhora Terezinha de Souza e Almeida, rainha de
Sant’Antão da Preguiça sentou-se em seu trono, pegou suas agulhas e linha, e
voltou a fazer seu crochê. Ela sabia muito bem o que esperar da vida que, até
ali, havia ido de acordo com as suas expectativas.
E no fundo, não se cria expectativas por nada ou em nada nessa vida ou em outra vida!rs
ResponderExcluirQueria eu morar em Sant'Antão da preguiça e viver ali, sossegadamente sem nenhuma expectativa do mundo lá fora, sendo rainha do meu próprio universo!rs
Estava com saudades dos contos!
Beijo
Olá Bruno, tudo bem?
ResponderExcluirVocê arrasou nesse conto e até resgatou o Robocop....kkk..Dona Terezinha a grande rainha...abraço.
http://devoradordeletras.blogspot.com.br/
Oi Bruno!
ResponderExcluirEstava com sdds de seus contos, como sempre vc soube como prender a gte com palavras e expectativas, adorei, parabéns!
Bjs!
Oi, Bruno!
ResponderExcluirGostei muito do conto!! Sem dúvida Sant'Antão é uma daquelas cidades que adoraria morar por causa da paz e sossego para ler com tranquilidade os meus livros.
Bjos
Adorei, Bruno! Um conto muito bem escrito, criativo e dinâmico. Ri demais imaginando a situação da Terezinha conversando com os cavaleiros. O Balanço então foi muito bom. Parabéns!
ResponderExcluirNossa, sinceramente de cara achei que fosse uma coisa, com o decorrer da leitura comecei a ficar confusa, que viagem mas ao final vi que era um conto ahahahaha tive que reler né?! Mas agora sim, até pareceu engraçado, gostei.
ResponderExcluirBruno!
ResponderExcluirSeus contos sempre com um tom hilário e muito inteligente. Santo Antão da Preguiça é ótimo!
Acho que vou morar na Rua X...kkkkk
Maravilhosa semana!
“Gosto de ouvir. Aprendi muita coisa por ouvir cuidadosamente. A maioria das pessoas nunca ouve. “(Ernest Hemingway)
cheirinhos
Rudy
TOP COMENTARISTA MAIO BLOG ALEGRIA DE VIVER E AMAR O QUE É BOM!