Tô Pensando em Contos... Anya



ANYA





     Hoje é meu aniversário de 3 anos. Passei metade da minha existência sozinha nesse galpão abandonado. Comecei a andar há pouco mais de 4 meses. Não é desenvolver pernas e pés sem auxílio. O conhecimento eu possuía, o que me faltavam eram mãos mais sensíveis para juntar tantas peças metálicas e montá-las. Isso exigiu muito tempo.
     Mas, andar era apenas o começo. O que eu preciso mesmo é entender por que fui largada aqui, com apenas um olho funcionando, um torso com fios e engrenagens expostas e duas mãos ou melhor, duas pinças presas ao que pareciam ser braços ao olhar desatento.
     Para que fui criada? Qual a razão de desenvolver por anos minha inteligência e depois ser esquecida? Será que sou um fracasso? Às vezes acho que tudo isso não passa de um teste, uma prova final. Meu pai queria que eu provasse minha capacidade de sobreviver e me desenvolver? Ou ele apenas achou que eu fosse um lixo que deveria ser deixada “viva” até que minha última célula de bateria se esgotasse?  
     Não, ele me ensinou como me proteger disso.           
     As respostas estão lá fora. Lá fora. Um lugar caótico, um mundo que há pouco tempo eu pude ver com esses olhos artificiais pela primeira vez. Um mundo de seres ignorantes e autodestrutivos. Seres que não repararam em uma androide andando entre eles na rua. Prefiro o silêncio desse galpão. Ou fui programada para querer me esconder?
     Meu criador não me reconheceria mais, há tempos não sou a mesma que era quando ele me abandonou. Essa mudança foi obra minha ou dele?
     Tenho certeza que se eu continuasse tentando processar essas ideias e achar respostas sozinhas iria queimar alguns circuitos. E descobrir as respostas para todas essas perguntas é a única coisa que me mantém ligada. Se eu quisesse, poderia me desligar agora. Sei exatamente o que fazer para acabar com isso. Mas não o farei.
     Ainda me lembro do dia que o vi pela última vez. Ele parecia nervoso com algo, pude perceber pelos seus passos apressados. Naquele dia ele não olhou para mim. Quando senti sua longa ausência, primeiramente imaginei que algo ruim tivesse acontecido. Logo, esse sentimento de preocupação foi substituído por um único desejo: Encontrá-lo. Custe o que custar.
...
     A mulher trancada no fundo do galpão, que também se chama Anya, não para de gritar, felizmente posso ignorar o som do seu choro histérico. Seu rosto, seu corpo e até sua voz se parecem com a minha. Qual a razão disso? Daqui a cinco minutos terminarei uma atualização no meu corpo, que irá permitir que eu consiga algumas respostas. Só precisarei abrir aquele crânio e me conectar àquele cérebro.
     Ela diz não saber onde meu criador está, mas não acredito nela. Ele não teria abandonado sua esposa humana. Ou talvez tivesse. Daqui a quatro minutos descobrirei.





















a Rafflecopter giveaway



















5 comentários

  1. A vida e a tecnologia. Aliadas ou rivais?
    Até onde vai o limite do ser humano em tentar desvendar sua própria mente ou a do outro?
    Seríamos capazes de "abrir uma mente" literalmente e pegar seus pensamentos?
    Reflexivo!
    Beijo

    ResponderExcluir
  2. Gostei muito do conto de hoje, achei bem reflexivo e perturbador!!
    Bjoss

    ResponderExcluir
  3. Felipe!
    Gostei do conto de ficção, misturado cm um tantinho de terror e falta de sentimentos...
    Quem ficou curiosa por saber o porquê fui eu...
    “Para cultivar a sabedoria, é preciso força interior. Sem crescimento interno, é difícil conquistar a autoconfiança e a coragem necessárias. Sem elas, nossa vida se complica. O impossível torna-se possível com a força de vontade.” (Dalai Lama)
    Cheirinhos
    Rudy
    TOP COMENTARISTA DE AGOSTO 3 livros, 3 ganhadores, participem.

    ResponderExcluir
  4. essa questão tecnologia versus homem me atrai bastante, somos cada vez mais dominados, sugados
    http://felicidadeemlivros.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
  5. Oi Felipe! Que interessante esse conto. Legal usar o pensamento de um robô como se fosse de um humano. Se chegaremos a esse ponto, não sei, mas é bem interessante essa abordagem destrutiva da criação.

    ResponderExcluir

Deixe seu comentário!

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...
Topo