Tô Pensando em Contos... Templo





TEMPLO






O calor era sufocante. Os carros aguardavam em fila os tratores e caminhões se posicionarem na rua para que pudessem seguir em suas comutas. Eu era o terceiro. Eu não tinha pressa. Eu tinha horário para estar no trabalho, mas definitivamente não tinha pressa.
Toda a comoção estava ligada a uma casa antiga da rua, parecia abandonada, quase uma ruína, destoava das outras casas do bairro. Era um bairro antigo, mas nobre. Apostei que a demolição nem deveria vir seguida de uma construção nova, provavelmente a associação do bairro só resolveu que a casa era muito feia para continuar fazendo parte da paisagem.
Uma das coisas que tinha aprendido sobre o ser humano é que sua superficialidade transcende seus próprios pertences, ele quer o mais bonito para ele, mas também não quer olhar para coisas feias. O feio incomoda, deve ser escondido, destruído ou no mínimo disfarçado.
O caminhão estacionou e o trator se posicionou em frente a casa, o motor ainda ligado. Logo estaria acabado e os carros poderiam prosseguir. O trator começou a se movimentar. Eu comecei a abrir a porta. Ele se aproximava da casa. Eu me aproximava da casa. Eu parei. O trator parou.
Lembro-me dos segundos de silêncio dos trabalhadores e outros espectadores tentando entender o que exatamente eu estava fazendo. Isso colocava todos nós no mesmo grupo. Eu não fazia ideia. Ouvi alguém se aproximando, eu não podia ver com a minha cabeça no meu colo em posição fetal.
— O senhor está bem ?
— Estou.
— Você pode sair daí, precisamos demolir a casa.
— Não.
Mais um silêncio. Acho que aquilo parecia muito surreal para o homem. Ouvi seus passos se afastando. Eu mal respirava, meu coração batia intensamente. Não podiam demolir a casa, ela não tinha feito nada. Era feia e acabada, mas não era culpa dela. Até imagino no passado as pessoas jogando entulho nela, pichando seus muros, quebrando as janelas. Nem ter sido abandonada foi culpa dela. Depois de tudo ainda se achavam no direito de destruí-la. Ouvi vários passos me rodeando.
— Não é nada pessoal , só queremos terminar isso logo e ir almoçar.
Senti mãos pegando em várias partes do meu corpo e ele sendo levantado do chão. Esperneei, esperneei, mas não podia ganhar de todas as mãos. Não respirava, as lágrimas caíam. E eu era carregado para longe. Ouvi o motor acelerando novamente. Puseram-me de pé. Eu olhava o trator chegando cada vez mais perto. Eu queria gritar: não me destruam, não acabem comigo, eu ainda sirvo.
As primeiras paredes caíram, já estava feito. A ruína ruíra. Era o meu fim, o fim do meu templo. As lágrimas continuavam, mas eu já não lutava mais, já respirava normalmente. Os homens me soltaram. Virei as costas e fui para o meu carro. Gritei.
— Vocês me mataram, todos vocês. Me destruíram e me mataram.
Entrei no carro e segui para o trabalho, liberando o trânsito e a vida das casas bonitas para seguir em frente.
























11 comentários

  1. Que conto lindo, certamente não achei que iria acabar assim mais eu adorei com pena da casa mais era feiinha rsrsrs.
    Até mais!!!!!

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  2. Lindoo Paulo!!!
    Final então vc arrasou!
    Bjs

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  3. Bom dia Paulo,


    Os seus contos são sempre ótimos, uma casa antiga tem muitas lembranças que marcaram a nossa vida, a foto da casa é muito boa....abraço.


    http://devoradordeletras.blogspot.com.br/

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  4. Oi, Paulo!!
    Gostei muito do conto!! Achei bem bacana a história!! Fiquei triste só no finalzinho do conto!!
    Beijoss

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  5. Paulo!
    Fiquei me perguntando qual seria o significado do templo pessoal dele?
    Foi tão rápido ao voltar a vida normal, né?
    “O saber se aprende com os mestres. A sabedoria, só com o corriqueiro da vida.” (Cora Coralina)
    cheirinhos
    Rudy
    http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/
    TOP Comentarista de JANEIRO dos nacionais, livros + BRINDES e 3 ganhadores, participem!

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  6. Oi Paulo!
    Adorei o conto, muito triste isso da aparência ser tão importante na vida das pessoas, não é?
    Muito boa a escrita, parabéns!

    Obrigada pelo carinho. Beijos :*
    Claris - Plasticodelic

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  7. eu fiquei admirada, confesso... não esperava por isso! adorei!
    http://felicidadeemlivros.blogspot.com.br/

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  8. É engraçado não nos darmos conta de que o feio precisa estar ali. Contrastando com o que é dito, bonito. Afinal, somos nós. Somos nós quem trazemos a idade sendo esculpida no rosto, na fragilidade das mãos...Paredes sendo destruídas dia a dia, pelo doce e cruel e tempo que não para!
    E quem decide o que é feio ou bonito?
    Quem?
    Amei.
    Beijo

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  9. Ao terminar o conto tudo o que pensei é em quantas mortes passamos diariamente sem perceber. Algumas mortes mascaradas de novos recomeços que nos forçam a passar

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  10. Confesso que fiquei um pouco confusa. Ok, fiquei muito confusa. Até li os comentários pra ver se alguém esclarecia um pouco minha mente, mas vamos lá:
    o que eu entendi é que ele "se colocou" no lugar da casa, tipo, diariamente existem pessoas que querem nos destruir por não nos encaixarmos em determinado lugar ou por sermos "feios", então ele percebeu essa necessidade de não ficar calado perante a isso. Sei lá iuehueiheuihe posso estar viajando. Acho que é o sono.

    Beijos!

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  11. Olá.
    Muito bem escrito esse conto. Achei o final um pouco triste, destruição, sofrimento, mas a vida é assim. Termina uma fase e imediatamente começa outra.
    Obrigada.
    Abraços.

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