A POSSESSÃO DE VANDER ÁLVARES
Papai Noel piscava para mim no seu melhor sorriso Coca Cola
quando cheguei à casa dos Álvares naquela noite. O Bom Velhinho no centro da
guirlanda era só mais um dos sinais do que eu deveria esperar quando entrasse
na residência. O jardim – quando fora a última vez em que eu vira uma casa com
jardim? - dava várias outras dicas. Renas de arame e luzinhas coloridas
brilhavam espalhadas pela grama e em volta de um presépio em tamanho real. No
telhado, um trenó vermelho e mais renas de arame olhavam para um Noel
dependurado numa das janelas do primeiro andar. Seria outra daquelas noites.
Terminei a água suja que me venderam por café na Starbuck’s e joguei o copo
vermelho atrás de uma rena antes de tocar a campainha.
A campainha tocou Jingle Bells.
Uma garota apareceu à porta assim que a música parou. Seus
olhos estavam arregalados e injetados,
cercados de maquiagem borrada por lágrimas. Amanda Álvares parecia estar
em algum lugar entre os 18 e 25 anos, mas o desespero fazia com que a mulher
parecesse ter 15 anos. Quem precisa de botox quando o medo te faz parecer uma
criança desamparada?
- Graças a Deus você veio, padre! - ela me disse enquanto me
conduzia para uma sala de estar dominada por um pinheiro carregado de bolas e
luzinhas coloridas suficientes para esquentar o ambiente. Os bombeiros deveriam
ser avisados daquilo em alguma hora. Um Noel rebolava ao lado de uma TV que
exibia o show anual do Roberto Carlos.
- É meu trabalho, filha – eu respondi num tom que julguei ser
acolhedor, mas que escondia um bocejo.
A ceia ainda estava sobre a mesa quando ela me conduziu pela
cozinha para um dos quartos da casa. Os pratos ainda cheios de peru, rabanada e
outras comidas de duplo sentido jaziam abandonados.
- Todos foram embora – explicou Amanda. - Não aguentaram ver
o tio Vander nesse estado. Eu só fiquei porque tirei ele no amigo secreto.
“Nesse estado” foi a forma que Amanda usou para descrever o
homem que eu vi quando abri a porta de seu quarto. Vander tinha os braços e
pernas amarrados por lençóis e esticados para os lados da cama de casal. O
homem se sacudia tentando se libertar e mordia o pano de prato que tinha
amarrado à boca.
- A mordaça foi uma boa ideia – comentei para a jovem. Fiz o
sinal da cruz, apertei minha maleta e entrei no quarto do enfermo, Amanda atrás
de mim.
O quarto era uma combinação de tudo o que eu vira nas outras
partes da casa. Uma grande meia vermelha estava pendurada sobre a cabeceira da
cama. Atrás da porta, outra guirlanda com Noel sorridente encarava a cama de
casal. Uma árvore de Natal em miniatura decorava os criados-mudos de cada lado
da cama, cada uma com seu próprio Noel rebolante. Então é Natal soava
baixinho, vindo de lugar nenhum em especial.
-Amanda – chamei. - Como isso aconteceu?
- Começou em… acho que esse ano foi em Setembro. É cada vez
mais cedo todo ano. - ela disse. - O tio Vander já estava organizando o amigo
secreto no churrasco da Independência… - ela parou para enxugar as lágrimas e
sufocar um soluço – A gente achou que ele só estava empolgado, mas…
- Mas piorou. - eu completei.
- Sim. - ela confirmou. - Piorou.
Depois do sorteio, o velho Vander criou grupo familiar,
começou a compartilhar imagens de “bom dia”. Quando novembro chegou, a casa de
Vander já estava completamente decorada. Os sobrinhos eram acordados meio da
noite por ligações em que uma voz rouca perguntava das namoradinhos ou quando
acabariam a faculdade.
- Mas foi nesta noite que tudo saiu do controle.
-Por isso a mordaça?
-Sim – ela confirmou.
Eu sabia o que estava acontecendo. Via aquilo todo ano e, na
verdade, aquele já era o terceiro caso da semana. Por isso o café e os bocejos.
Só ando a base de cafeína no natal. Antes de qualquer coisa, entretanto, eu
precisava da última prova. Peguei um tapauér na minha mal e me aproximei da
cama. Fiz sinal para que Amanda se aproximasse da cabeceira comigo.
-Segure isto. - coloquei o frasco em suas mãos. - Eu vou
retirar a mordaça.
-Mas padre…
-É o único jeito de ter certeza. - eu disse com seriedade.
Conforme me aproximei de Vander, percebi mais sinais de sua
provação. A barriga do homem inchava como se um balão tivesse inflado sob a
camisa. O cabelo e a barba cresciam e esbranquiçavam rapidamente. Olhando nos
olhos do infeliz, puxei a mordaça para baixo já sabendo o que esperar.
- Ho, ho, ho!
A risada contorcia o homem amarrado. Era profunda e
desesperada, vinda do fundo de uma barriga que há pouco Vander não tinha. As
luzes no quarto piscavam amarelas, verdes e vermelhas. O som de ursos polares
uivando soou de algum lugar lá fora.
- Agora! - instruí Amanda.
A jovem abriu o tuperware onde eu guardava minha ferramenta
mais importante. Os outros carregam crucifixos e água benta, pedaços da cruz,
espinhos da coroa de Nosso Senhor. Eu carrego pavê.
- Mas é pavê ou pacumê? - perguntou o infeliz.
Era o que eu temia. Vander Álvares estava possuído pelo
Espírito do Natal.
Pqp!!!!rsrs
ResponderExcluirNão deu pra segurar o final. O raio do pavê ou "pacumê" é um raio de coisa sem sentido que em toda casa tem. Não adianta querer fugir disso.
Eu sou possuída pelo espírito de Natal todos os anos..rs amo as luzes coloridas e admito que me perco nelas. Viajo nas decorações e me sinto criança nessa época.
Adorei, é claro que adorei!!!
Beijo e parabéns por esse conto incrível!
é a época do ano que eu mais gostava quando menina, hoje por conta de algumas coisas perdi esse espírito de natal, mas toda familia sempre tem um tio engraçadinho
ResponderExcluirhttp://felicidadeemlivros.blogspot.com.br/
Bruno!
ResponderExcluirkkkkkkkkk
Me acabei de rir...
kkkkkkkkkkkk
Eu aqui esperando uma boa cena de exorcismo e você me traz uma incorporação do bom e velho Papai Noel... sensacional!
kkkkkkk
“O Natal não é um momento nem uma estação, senão um estado da mente. Valorize a vida.” (Desconhecido)
Boas Festas!
cheirinhos
Rudy
http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/
TOP Comentarista de DEZEMBRO ESPECIAL livros + BRINDES e 4 ganhadores, participem!
Oi, Bruno!
ResponderExcluirAmei o conto! Rir muito sozinha aqui em casa! Que criatividade!! Kkk
Bjos
Rachei! hahaha Melhor conto de natal que já li, cheio de humor e criatividade. E essa piadinha de tio no final? Incrível.
ResponderExcluirUm abraço!
http://paragrafosetravessoes.blogspot.com.br/
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