This Man
Você já ouviu falar em
“This Man”? Isso mesmo, aquela lenda urbana antiga e bizarra da internet sobre
um cara que aparece nos sonhos de várias pessoas ao redor do mundo, gente que
não se conhece, pessoas que nunca tiveram contato umas com as outras, vendo exclusivamente
nos sonhos o mesmo cara. Às vezes ele é muito bacana, às vezes um crápula ou um
grande filho da puta mesmo. Sei que no fim das contas era tudo uma mentira para
fazer propaganda de um filme de terror que nunca saiu. Acho a ideia até interessante,
provavelmente fruto da mente de algum fã de Freddy Krueger.
A questão é que nunca
tive medo dessa história e havia anos não pensava no This Man, com seus olhos
esbugalhados embaixo de uma quase monocelha. Nem na boca enorme e que parece
sempre estar sorrindo de forma irritante. É só que, quando ele está parado de
pé no seu quarto olhando você dormir, algumas coisinhas devem ser consideradas.
Um: ter alguém te
olhando fixamente enquanto você dorme é muito medonho mesmo. Dois: você toma um
puta susto quando acorda e percebe isso. Três: como ele conseguiu entrar no meu
quarto? Quatro: que cara feio. Cinco: se ele é o This Man, eu devo estar
sonhando. Seis: se estou sonhando e sei disso, esse é um sonho lúcido!
- O que você quer? – Se
eu tinha algum medo dele, já tinha ido embora. Esse era meu sonho; ele não
poderia me machucar.
- Disseram que você
precisava de ajuda – ele respondeu sem mexer um músculo. A voz veio dele sem
que ele tivesse que abrir a boca. O som era frágil, mas decidido.
- Por que precisaria?
Ele deu um passo em
direção à minha cama. Senti um calafrio porque ele pareceu flutuar dentro do
sobretudo escuro e pesado. A vela aromática que eu deixei acesa antes de ir
dormir criava um efeito de sombras digno de um filme de Hitchcock. Lembrando-me
da vela, senti de repente o cheiro de mel.
- Salve a sabedoria e a
inocência, perdoe no mar e encontre a luz.
- Era o que faltava, um
conselheiro no meu sonho. Vai, some daqui. To a fim de pular de um penhasco e
sair voando. Ou jogar umas dinamites na faculdade.
- Esse não é um sonho
comum; não é você quem faz as regras - a voz que vinha dele ainda não saia de
sua boca.
Nesse momento tive medo, porque desejando que
ele sumisse, percebi que realmente não controlava meu próprio sonho. Ele só
levantou os braços e de repente estava tudo escuro.
*
Já não era meu quarto,
era apenas um monte de mato no meio de uma noite muito fria sem lua e estrelas.
E eu estava nua, no chão.
- Cê tá ai? Já chega,
não tô mais a fim de discutir. Já entendi, não mando no sonho, foda-se. Ao
menos coloca uma fogueira aqui.
- Tá falando com quem,
garota? - Era a voz de uma mulher sussurrando - Vem logo, ele está solto por
ai.
Uma fresta no meio
daquele mato se abriu e eu vi uma mulher cansada, velha, segurando um bebê.
- Nós somos você. Somos
sua mãe, sua irmã, sua amante e sua filha. Cuidado.
- Como é?
- Fala baixo!
Um som veio de trás.
Havia um homem vestindo somente uma cabeça de lobo negro. Os olhos mortos do
animal nos encaravam e não víamos o rosto do rapaz. Ele tinha um corpo enorme e
forte, com veias saltadas. E ele estava desperto, ereto. A luz do lugar parecia
emanar dele.
Cinco segundos de
tensão e a velha, abraçada com o bebê, saiu correndo numa velocidade
impressionante, me mandando fugir. Quando vi, já estava sem fôlego e com as
pernas doendo, correndo sem direção ao lado dela pelo mato que começara a ter
árvores em volta. Ótimo. Vou me perder numa floresta, perseguida por um cara nu
e que sabe deus como está correndo de pau duro.
Cansadas e com pressa,
demos com um muro de pedra. Ela colocou o bebê no chão, uma mera garotinha de
colo, e eu ajudei a velha a pular, empurrando seu corpo para cima. O homem
estava muito perto. Não daria tempo. Impulsionei meu próprio corpo para cima e
estava decidida a deixar a criança, mas a menina olhou para mim lá de baixo.
Ouvindo a respiração forte dele se aproximando com raiva, com um medo absurdo,
desci para buscar o bebê. Só deu tempo de a velha puxar a menina pelos braços
quando o homem com cabeça de lobo me cercou e eu pude ouvir a voz chorosa da
velha do outro lado.
-Não é nossa culpa. E
eu sei que pareceu escolha, mas a culpa também não é sua. Nenhuma de nós merece
isso.
Com uma força
descomunal ele me levantou pelo pescoço com apenas um braço. A outra mão ele
levou para dentro da máscara, devolvendo cuspe nos dedos que colocou entre
minhas pernas. Depois disso, apenas tive que esperar o esperma correr com
sangue. A criança berrava forte do outro lado quando desmaiei.
*
Era cheiro de mar
quando acordei de manhã na areia e o This Man, mirrado e feio acariciava meu
cabelo. Dessa vez ele estava sério.
Ódio. Somente ódio. Nem
dor, apesar de eu sentir tudo em mim ardendo e dolorido, como se todos meus
órgãos tivessem sido rasgados. Não tinha sido ele, mas tudo se resumia a ódio.
- Depressa. Pro mar – e
a boca ainda não se movia.
- Não confio em você. Deixa
eu ficar aqui pra sempre.
- A água é curativa.
- Tenho nojo de vocês.
Ele fechou os olhos,
parecendo realmente comovido. Ainda vestia sobretudo, mesmo na praia. Tudo
parecia sem fim, areia e mar, e não havia nada nem ninguém por perto.
- Vem. A água é
curativa – repetiu.
- Não consigo andar, tá
tudo doendo.
Ele levantou os braços
e o mar me engoliu.
Água curativa um
cacete. O sal em contato com meus machucados me causou uma dor torturante e
logo menos não respiraria. Apesar do ódio e da dor, fiz esforço para nadar e
sobreviver, sem saber de onde tirava forças. Procurei pelo sol e nadei em
direção a ele.
Na primeira lufada de
ar, vi meu irmão numa espécie de espelho que estava em todo lugar. Ele ria com
sua esposa e meu sobrinho. Então eu ri também. O mar puxou minhas pernas para
baixo e me engoliu. Tive que procurar o sol outra vez.
Na segunda lufada, vi
meu pai bêbado na vez em que ele jogou uma panela de óleo fervendo em cima da
minha mãe. Vi os cabelos grudando na cabeça, senti o cheiro de queimado e o
grito da minha lembrança se misturou com meu grito afogado. Água nos pulmões e
narina ardendo. Perdida no mar. Onde estava o sol? Nade para o sol, mesmo que a
dor venha. Res. Pi. Re.
Terceira lufada e era
meu primeiro porre com minha melhor amiga. A quarta e era o dia em que meu
namorado, deitado nos meus braços, adormeceu com um sorriso pela primeira vez.
Mas eu afogava sempre.
Posso acordar agora?
Não. Tome mais um pouco
de ar.
Não vou aguentar.
Você precisa!
O quinto fôlego me fez
ter completa raiva daquela voz que chegava até dentro da água. Era o homem com
cara de lobo e seus olhos mortos. Era ele dentro de mim. Era ele com seu cheiro
de suor e terra, com granidos de ódio e seus pelos crespos contra mim. Cheiro
de sangue e pelo na cabeça morta. Vomitei.
Não desiste. Está
acabando. Você verá o que realmente importa agora.
Sexto fôlego e vi a
mim, dormindo em paz. Somente a mim, serena. Incrivelmente nova. Terrivelmente
velha. Dessa vez que o mar me puxou, não me afoguei. Não havia dor nem ódio.
Nadar era leve. Busquei o sol pela última vez.
Era escuro, silêncio e
paz. Era o universo catastrófico seguro e aguardando eu passar. Sem oxigênio,
sem calor. Tudo bem.
Chamei o This Man sem
falar nada, e houve som. Ele veio.
- Só falta a luz - ele
disse. - Até breve. Eles estão nos esperando.
Ao longe, vi um sol. “Salve
a sabedoria e a inocência. Perdoe no mar. Encontre a luz.”
Aproximando, vi que o
sol era minha vela aromática. Esse não é um sonho comum.
roupas, minha cama. E nela, eu dormia naquela noite. Nunca mais sonhei
naquele corpo.
Hoje confesso que tive que reler umas três vezes para tentar entender..Me perdi muitas vezes..não sei. Acho que não entendi o foco do conto, o ponto principal. Ficou muito confuso(pra mim).
ResponderExcluirNão que seja ruim, não...mas...não consegui entender.
Beijo
UAL! Conto hj ta bastante confuso mas me agradou mto com esse final, parabéns!
ResponderExcluirpara mim ficou claro, emocionante e um muito triste!
ResponderExcluirque se afoguem as lembranças... que se afogue a maldade e atristeza, salve a sabedoria!
http://felicidadeemlivros.blogspot.com.br/
Nossa, que triste!!
ResponderExcluirMas gostei do resultado final!
beijos
Camis - Leitora Compulsiva
Dessa vez, o conto foi mais complexo, o que é bastante interessante. Gostei da abordagem da Allana.
ResponderExcluirJá disse que adoro as quartas do seu blog???
Desbravador de Mundos - Participe do top comentarista de junho. Serão quatro livros e dois vencedores!
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEu tive vários entendimentos. Esse conto é mesmo complexo,temos que ler com bastante atenção. Mas acho que tirei algo dele, uma coisa triste, que pena!
ResponderExcluirOi. Esse conto foi bem mais interpretativo e com um final triste. Mas valeu, contos sempre são bem vindos! Parabéns. Abraços.
ResponderExcluirOi!
ResponderExcluirGostei muito desse conto, já no começo fui ficando com medo, mas acabou que no final o conto foi se tornando triste o que achei bem interessante !!
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirKkkkk Dei risada em algumas partes, me diverti com a complicação e a mudança de cenário, pq é exatamente assim um sonho não faz sentido algum, mas parece que sempre quer nos trazer uma mensagem.. Quanto mais confuso, mas parece necessário entendermos o que acontece. Eu acho que consegui entender o objetivo do conto.. Não achei triste, apenas foram como lapsos de memórias de momentos que passou, e talvez ela se martirize ainda por isso.. Talvez o sonho venho como uma luz pra mostrar a ela o perdão e o livramento de tudo de ruim que já aconteceu. Ou talvez não tenha nem acontecido apenas, só quis nos mostrar á praticar o perdão, porque conviver com ele só nos afunda ainda. . Precisamos buscar ao sol ♥
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