Tô Pensando em Contos... Supetão



SUPETÃO





Hoje, dentro do ônibus, percebi que um dos lados do meu fone quebrou. Fico agoniada quando somente um lado funciona: prefiro ficar sem escutar música a ouvi-la pela metade, ser meio auditiva.

Uma senhora gorda entrou cheia de sacolas, falando meio sozinha, meio com o motorista. Suspirou e começou a reclamar (em voz bem alta, é claro). Suspirei e lamentei pelo fone.

- As coisas vão acontecendo, a vida passando, e quando a gente vê, já está na situação que está - ela disse cansada.

Parei. Será mesmo? Posso pontuar exatamente o dia em que a vida começou a ficar diferente.

Um dia, sem aviso, minha mãe decidiu que eu já conseguia tomar banho sozinha.

Então foi só ladeira abaixo.

De repente o mundo decide te tratar diferente. De repente, decidem que você não é criança.

Lembro também quando o contrário aconteceu. Num dia, eu montava meu castelo da Barbie, havia um enredo para as bonecas viverem. No outro dia eu montei todo o cenário e então vi que aquilo não tinha graça. Em questão de um dia, em questão de um sábado para um domingo, algo em mim mudou para sempre. Nunca esquecerei a sensação de ter as bonecas na mão e, como um soco, ver que eram apenas bonecas, plástico; não mais uma princesa e uma plebeia se olhando, toda uma história, cumplicidade, um filme todo para reproduzir. De repente, literalmente, tudo que eu fui até então parecia… idiota. Ladeira abaixo.

Uma noite, do nada, meu pai decidiu que eu estava grande demais para ser carregada escadaria acima até meu quarto. Acordei na sala. Eu usava por baixo do uniforme da escola meu primeiro sutiã, um pedaço de pano que servia somente para disfarçar os carocinhos que despontavam.

A mulher gorda voltou a falar, um pouco distante.

- É isso aí. Estou cansada de esperar a felicidade todo dia, todo dia, e ela nunca chega. Nunca veio. Não, minto. Só fui feliz na casa do meu pai. Eu era o xodó dele. Casei e então, olha… Nunca mais soube o que era felicidade. Deus que me perdoe, mas nem com meus filhos eu soube o que era felicidade.

Levantei com pressa. Não era o ponto em que precisava descer, mas dei o sinal para o ônibus parar.






















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8 comentários

  1. Crescer não é bom!
    E o pior de tudo que a gente só percebe isso, depois que se passa toda uma infância desejando ser adulto.
    Valorizamos o ser criança, depois que o peso do mundo recai sobre nós...
    Hoje a crônica é o tempo...cruel tempo!
    Parabéns!!!
    Beijo

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  2. Oi, Allana!!
    Adorei o conto, é uma pena mais temos que crescer, quando somos crianças achamos um máximo ser adultos!! Infelizmente não é bem assim que a vida é!!
    Beijoss

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  3. Allan!
    Tem conversas que realmente nos tocam fundo e lembramos o quanto éramos felizes na casa de nossos pais e nem sabíamos.
    E ainda vejo filhos desprezando e brigando com eles...
    “A amizade, depois da sabedoria, é a mais bela dádiva feita aos homens.” (François La Rochefoucauld)
    Cheirinhos
    Rudy
    TOP COMENTARISTA DE MAIO 3 livros, 3 ganhadores, participem.
    http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/

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  4. Oi Allana! Crescer é um tormento, rsrs, qdo se chega á uma tal idade então, a vontade q dá é d voltar no passado...
    Bjs!

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  5. que legal, eu adorei o conto, super cotidiano e com uma reflexão importante sobre a vida adulta
    http://felicidadeemlivros.blogspot.com.br/

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  6. Oi Allana ;)
    Que texto forte, achei muito legal o conto!
    Realmente crescer não é fácil... quando você vai morar sozinha tudo desanda!
    Da uma vontade de voltar a ser criança...
    Bjos

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  7. Gostei! Realmente crescer não é fácil... Uma pena que quando somos crianças ficamos contando os minutos para ser adultos.

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  8. Achei tão profundo esse texto. Crescer não é fácil e é uma mudança que não podemos controlar. Mal percebemos e estamos cheios de responsabilidade e esquecemos os prazeres da vida de criança. Uma mudança que não queremos :(

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