OBSTINADO
Peguei meus chinelos nas mãos e senti a areia fofa
da praia abraçando meus pés. Caminhei até a água, dando pulinhos ridículos por
causa do calor que vinha da areia. Pisei na água e senti alívio.
Perguntei-me
se a morte era assim, um desespero ridículo antes de um alívio eterno.
Já tinha me despedido de todo mundo que importava,
mesmo que eles não soubessem. Tossi. Minha tuberculose tinha piorado nos
últimos meses. Não tinha mais volta, a doença me mataria em pouco tempo. Então,
por que eu mesmo não deveria decidir quando?
Sempre fui assim: levo o que coloco na cabeça até o
fim. Quando criança, decidi que usaria para sempre a mesma cueca, e sempre dava
um jeito de achá-la no cesto de roupa suja, ou tirava, molhada mesmo, da máquina
de lavar para vesti-la. Até do lixo a salvei, até que um dia minha mãe botou
fogo na pecinha, enquanto me chamava de “demônio obstinado”. Desde então eu sei
o que sou. Um obstinado.
E agora era hora! Joguei meus chinelos e comecei a
correr em direção ao fundo do mar. Sorri, confiante, dizendo adeus ao mundo.
Tropecei. Levantei-me, já amaldiçoando o que quer que tivesse estragado meu grande
momento. Tateei o chão e tirei da água um crânio que sorria com todos os dentes
pra mim, como se tivesse me derrubado de propósito.
Tossi. Sangue voou sobre a caveira, que começou a se
esquentar e borbulhar até que não pude mais segurá-la. Ela caiu na água, produzindo um chiado. Desse
lugar, emergiu uma mulher. Usava um vestido colorido cheio de véus e o cabelo
estava arrumado demais para alguém que era uma caveira havia apenas alguns
segundos. Tinha o mesmo sorriso cheio de dentes.
– Oi, sou Jena, uma gênia, gostaria de agradecer por
me tirar do sono eterno com o seu sacrifício.
– Por nada. – Continuei a minha caminhada para a
morte. Mas a Jena-gênia me seguiu.
– Espera, você não vai ficar espantado? Me perguntar
se posso te conceder um desejo?
– Na verdade, não. Eu estava no meio de um processo,
sabe, e ter que lidar com o sobrenatural vai me distrair muito.
A gênia ficou me olhando, perplexa, e parecia estar
tentando me desvendar. Saco. Estava com pressa e ela lá, com cara de ampulheta
rodando. Depois de longos segundos, ela
sorriu e prosseguiu.
– Ah, agora entendi. Eu posso curar sua tuberculose,
você não precisa morrer tão jovem.
Ela fez uma pausa para ver a minha reação. Ok, ela
descobriu sobre a doença. Gênia, poderes e tudo mais. E daí? Apenas respirei
fundo.
– Veja bem, eu já tinha esse plano aqui de me matar.
É a minha grande escapada da vida. Não sou de voltar atrás. E, pensando bem,
mesmo que não estivesse doente, morrer é o melhor caminho, é a liberdade. Sabe
o que tem lá na vida? Contas, contas e mais contas pra pagar. E pra isso você
precisa de dinheiro. E pra isso precisa trabalhar. Gente te mandando o que
fazer o tempo todo. Não, obrigado. Já estou em outra. Agora, dá licença?
Continuei a minha rota para o pós-vida, mas ouvi a
garota choramingando.
– Eu preciso que você faça um pedido! Por favor,
senão ficarei presa a você, mesmo morto, aqui no mar! Por favor!
Saquei que ela ia ficar nesse chororô até a
eternidade. A voz fininha reclamando no meu ouvido.
– Um pedido só? – Bufei e vi que a garota assentia
com a cabeça. – Tá, tá! Me arruma um cigarro.
– Um maço?
– Não, um solto, porque estou com pressa. E faz ele
aceso e à prova d’água.
A garota balançou as mãos e um cigarro azulado
surgiu em minha boca. Traguei fundo e soltei a fumaça. Tossi. Uma bomba.
– Ótimo, genial, você podia ficar rica vendendo
esses cigarros à prova d’água numa praia. – Vi que ela sorriu para mim. – Bom,
vou indo, passar bem.
Caminhei para a minha morte, finalmente, enquanto a
garota saltitava, toda contente, em direção à praia. Logo os meus pulmãos começaram
a se encher de água e eu me debatia, a caminho do fundo do mar. Antes de perder
a consciência, vi a gênia tropeçar nos meus chinelos na beira da praia. Sorri. Bem
feito.
Paulo Vítor Mendonça
As quartas tem um gosto de quero mais!!!É esta a sensação que tenho toda vez que leio algum conto aqui no blog. E que time de autores maravilhosos!!Cada um no seu próprio estilo.
ResponderExcluirO de hoje me fez sorrir e me fez pensar. E isso é maravilhoso!! A que ponto nossa determinação influencia na nossa vida? O suicídio é realmente a saída? Se tivéssemos chance de voltar ao passado e mudar algo, faríamos ou seguiríamos em frente??
Parabéns e obrigada por ter deixado essa sensação em mim!!!!
Beijos
Sorri. Bem feito! kkkk
ResponderExcluirArrasou Paulo! Estava ansiosa pra chegar quarta...Esses contos são dmais!
Bjs!
realmente obstinado! meu Deus, que final tragicômico!
ResponderExcluirhttp://felicidadeemlivros.blogspot.com.br/
BEM FEITO. A gente nem pode mais se matar em paz. Da licença né. HAHAHAHAHAHHAHAHA
ResponderExcluirAdorei o conto, ao mesmo tempo que sombrio, pela morte, ficou engraçado pela presença da genia. Adorei <3
Beeeijos!
Livros, Amor e Mais
Esse rapaz é mesmo "OBSTINADO"!!! Amei o conto foi trágico, muito divertido e bem humorado !! Qual é o cara encontra um gênio e ainda continua com os mesmos planos de morte!! Foi muito legal é adorei o final " BEM FEITO". KKK
ResponderExcluirBeijoss
oi! Ri demais com esse final, o cara era obstinado mesmo e genioso. Adorei o conto.
ResponderExcluirBjos!! Cida
Moonlight Books
Boa tarde Paulo,
ResponderExcluirMuito bom esse conto....final engraçado demais e que determinação.
http://devoradordeletras.blogspot.com.br/d
Olá!
ResponderExcluirOs contos do Paulo sempre possuem esse final meio tenso, mas também com um toque interessante, do improvável; nesse caso, o bem feito. rs
Gostei da estrutura e do desenvolvimento do conto. Sem falar que ele me colocou para pensar.
Ótima postagem.
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