Tô Pensando em Contos... ENTREVISTA COM A LOBA



     Entrevista com a Loba



     O interfone tocou e o porteiro avisou que um rapaz chegou para me entrevistar.  Para variar, eu estava atrasada. Apesar de ser uma sexta-feira, saí à noite para beber com umas amigas e acabei na casa de um rapaz da Zona Sul. Não é algo que eu costumo fazer, mas eu estava celebrando.

     A consequência da noitada veio na manhã seguinte. Há alguns anos desenvolvi um probleminha gastrointestinal, que tenho certeza ter tido origem com esses alimentos de hoje em dia, cheios de hormônios e antibióticos. Para alguém que passou boa parte da vida comendo muito bem, nos últimos tempos tem sido um desafio se alimentar com um intestino irritável.

     Corri para o banheiro, mas para retocar a maquiagem, não iria aparecer na capa da Copacabana’s Life toda desconfigurada.

     No começo da semana o rapaz havia me ligado.

     – Boa Tarde, senhora Rocha, tem um minuto para falar comigo? Sou da revista Copacabana’s Life.

     – Claro. Mas me chame de Jennifer, posso estar fazendo 40 anos, mas não gosto de ser chamada de senhora. Em que posso ajudá-lo?

     – Gostaria de fazer um perfil seu para a capa do próximo mês. Fiquei sabendo que seu aniversário será nesse sábado. Você acha que poderíamos fazer uma entrevista na sexta?

     Fingi estar surpresa, mas na verdade tudo fazia parte de um plano. No mês anterior saiu uma notinha na revista que dizia “Em maio, a emergente socialite Jennifer Rocha completará 40 anos”. Fiquei furiosa. Como assim falar que eu sou uma emergente?

     – Nossa, fui pega desprevenida, a festa é no sábado, estarei numa correria, mas acho que sexta logo cedo não tem problema. O que você acha?

     – Claro, senhora… Jennifer.

     – Só uma dúvida. Você pensou em algum título para a entrevista? – questionei.

     – Meu editor sugeriu “Entrevista com a Loba”, mas se você achar ofensivo, nós podemos mudar.
Confesso que ri por bastante tempo e quando consegui me recompor, disse que achava um ótimo nome.

     A campainha tocou e quase que como instantaneamente minha secretária estava com o rapaz da revista na porta da varanda.

     – Me desculpe a demora, - ele disse - é que um elevador está em manutenção e o outro estavam tentando colocar uma estátua de mármore dentro.

     – Pode se sentar, rapaz. Gostaria de algo para beber? - perguntei esticando minha taça de champagne.

     – Não, obrigado. Estou em serviço. - disse ele com a voz tremida.

     Ele se sentou no sofá, tirou um gravador de uma bolsa e um bloco de anotações.

     – Bom. Senho… Jennifer – ele disse, tentando se recompor - Eu tenho umas perguntas, mas antes queria que você falasse um pouco sobre você.

     –Nasci e cresci em São Paulo, mas aos 30 resolvi me mudar para o Rio de Janeiro. E aqui comecei a desenvolver alguns trabalhos sociais e organizar festas beneficentes para arrecadar dinheiro para os mais necessitados.

     – Há suspeitas de que você desvia parte das arrecadações para empresas de fachada em seu nome – ele disse.

     Senti um nó sendo dado no meu intestino. Aquele rapaz que chegou tremendo até a voz, agora estava na minha casa, me acusando de estar roubando. Como ele tinha descoberto?

     – Eu não tenho ideia do que você está falando - desconversei - inclusive na minha festa vou receber contribuições de amigos para uma doação que farei como presente.

     – E você não acha um tanto clichê, uma emergente socialite que dá festas para arrecadar dinheiro? – ele me questionou sem qualquer embaraço.

     A cada nova acusação minhas entranhas se retorciam. Fingia estar me ajeitando no sofá, mas era só uma tentativa de lidar com o desconforto intestinal que o estresse me causava.

     – Emergente? O que mais eu tenho que fazer para subir na sua escala? E não acho clichê ajudar as pessoas necessitadas. As pessoas ricas têm que dar um retorno para a sociedade.

     As palavras estavam saindo da minha boca. A dor estava me matando e na tentativa de acelerar a entrevista, eu estava reforçando o estereótipo que eu mesma via nas minhas colegas socialites.

     – Então, a senhora - ele disse propositalmente - nega que esteja desviando dinheiro.

     – Sim!

     Ele anotava tudo no caderno que estava em seu colo. Eu sabia que aquela entrevista estava indo para outra direção e ele queria me humilhar publicamente, então comecei a observá-lo.

     Não era um magrinho só pele e osso. Não era um gordinho, com mais carne, mas não tão saudável e graças a Deus não era um bombadinho cheio de esteroides. Para a minha felicidade, ele tinha um corpo normal e parecia saudável, já que não tinha morrido por ter subido 23 andares de escada. 

     Então, só tinha um jeito de acabar com aquilo.

      – Vamos fazer o seguinte. Vou pedir para minha secretária lhe enviar um convite para minha festa. Gostaria que você viesse e conhecesse meu trabalho e então poderá tirar suas próprias conclusões. O que acha? - perguntei enquanto me levantava do sofá, indicando o fim da conversa.

     – Mas, mal começamos - ele disse enquanto colocava suas coisas dentro de uma bolsa e se levantava também.

     – Vou fazer melhor. Venha à festa e depois que os convidados forem embora, eu responderei todas as suas perguntas. Isso está bom para você? - perguntei e um olhar sedutor para ele.

     – Sim, sim. Acho que isso pode ser muito proveitoso - ele disse, voltando a ser o rapaz tímido do começo.

     Pedi que Ursula o acompanhasse até a porta e assim que a ouvi fechando liguei para a cerimonialista.

     – Querida, pode cancelar aquela moça que íamos servir. Achei um rapaz perfeito para o nosso banquete. E lembre a chef que o molho não pode ter glúten.









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10 comentários

  1. Sabe "cara de alface murcha"?
    É assim que estou depois de terminar o conto..rs
    Menina, por isso eu falo: Quarta feira é meu dia favorito no blog..rs Não tem como não se pegar dentro do conto, literalmente.
    E esses com finais inusitados ainda mais!
    Adorei, simplesmente adorei...
    Beijo

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  2. kkkk mto booom! Adorei esse conto do começo ao fim!
    O final foi mto bom!
    Tô aqui imaginando essa festa!
    Bjs!

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  3. Adorei o final do conto e fiquei muito surpreso. Aliás, os finais dos contos daqui quase sempre me surpreendem.
    Estou adorando as quartas do blog.

    Desbravador de Mundos - Participe do top comentarista de junho. Serão quatro livros e dois vencedores!

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  4. e no fim é uma loba mesmo!!!!
    surpreendente como sempre
    http://felicidadeemlivros.blogspot.com.br/

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  5. Hum... Deu até fome!! rs...
    Adorei o conto!
    beijos
    Camis - Leitora Compulsiva

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  6. Este comentário foi removido pelo autor.

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  7. Esses contos deixam a gente presa! E o mais interessante é o final, a gente nunca espera esses finais arrebatadores. Adorei esse conto ;)

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  8. Contos sempre são muito bem vindos e esses sempre me surpreendem! Os finais são fechados com chave de ouro. Muito legal. Abraços.

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  9. Oi!
    Gostei muito desse conto ele conseguiu me prender e deixar curiosa sobre o que irei acontecer e no final o titulo com certeza fez sentido !!

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  10. Ai kramba kkk os finais sempre surpreendentes, adoro esses contos ♥♥

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